Sunday, January 12, 2020

TODA COISA TEM TRÊS LADOS

No dia 20 de dezembro de 2019 fui a inauguração de um novo espaço cênico da cidade de João Pessoa, a Sala da Cia de Teatro Encena, para 20 espectadores, localizada no Edifício Royal Trade Center na Avenida Epitácio Pessoa. A iniciativa é de Celly de Freitas, mulher de teatro que herdou de Ednaldo do Egypto a vontade de construir novos espaços cênicos. O novo teatro de bolso poderá receber espetáculos e também abrigar ensaios de grupos que estejam necessitando de um espaço adequado para ensaiar.

Naquela ocasião foi apresentado o ensaio aberto do novo espetáculo da Cia Encena, Toda coisa tem três lados, com textos de Karl Valentin, sob a direção de Luciana Dias, tendo no elenco Celly de Freitas e Silvana Pequeno.

Karl Valentin foi um ator cômico e comediógrafo alemão do início do século XX que influenciou Bertolt Brecht. Os seus esquetes cômicos permanecem como um clássico sempre visitado pelos grupos de teatro de todo o mundo. Neste espetáculo temos as esquetes: O aquário; Na loja de chapéus; A ida ao teatro;Pai e filho a respeito da guerra.

O espetáculo inicia com duas palhaças conversando em gromelô, que é uma língua de sons articulados que nada significam em si, mas adquirem sentido na entonação e na expressão corporal. As esquetes são costuradas pelas palhaças que vão se transformando em todas as personagens, através do uso de adereços e elementos de figurinos. É importante ressaltar o caráter de brinquedo popular através do uso de cantigas infantis que pontuam alguns momentos. É muito sugestivo também a cena da esquete Pai e filho a respeito da guerra, que é realizada com vassouras que se transformam em bonecos. 

O espetáculo marca também a volta aos palcos da diretora, dramaturga, atriz e professora de teatro Luciana Dias. Um grande talento do teatro paraibano que dedicou-se ao teatro infantil, tendo dirigido os espetáculos: A festa das cores, texto de sua autoria; Joãozinho anda pra trás de Lúcia Benedetti; A bruxinha que era boa e Pluft, o fantasminha de Maria Clara Machado. Neste seu novo trabalho, Toda coisa tem três lados, dedica-se ao público infanto-juvenil, numa faixa etária de adolescentes, que tem sido esquecida pelas montagens que concentram-se nos extremos, ou infantil ou adulto. Luciana é uma encenadora meticulosa, uma artesã da cena, que sabe obter o melhor de suas atrizes e de seus recursos técnicos de canto e conhecimento de instrumentos musicais para produzir a música e a sonoplastia de cena ao vivo. 

Merece registro que neste dia após a apresentação houve um pequeno debate. Nele pudemos conhecer um pouco das raízes de Luciana e de onde vem o seu talento teatral. O seu pai,Heronides Dias de Barros, contou que em sua juventude havia sido radio-ator da Radio Tabajara, que foi dirigido pelo diretor Linduarte Noronha, e contracenou com Ruy Eloy, Pereira Nascimento e Nautília Mendonça, na radionovela Um Lirio na correnteza. Ele lembrou que também publicou artigos sobre o radioteatro paraibano no Jornal o Norte, veículo de comunicação hoje fora de circulação. A mãe de Luciana, Maria das Graças Ataíde Dias, confessou que também sempre teve o teatro em suas veias e que quando criança brincava de drama e era chamada pela mãe de presepeira, pois enquanto brincava de teatro com as amigas a mãe pedia que deixasse de fazer presepada. A tia de Luciana, que chorava o tempo todo, lembrou de seu tempo de pensionato quando escandalizou as freiras fazendo a performance de uma ópera na qual cantava o verso: “Sem eira nem beira e um ramo de figueira”.

É preciso registrar também as presenças do diretor teatral Antônio Deol, da atriz e produtora cultural Ana Valentin, da atriz e diretora Mônica Macêdo e da atriz, figurinista e professora de teatro Tainá Macêdo.

Foi uma noite memorável pela alegria que traz a abertura de um novo lugar para as artes cênicas. A nossa cidade ainda tem um deficit de casas de espetáculos. Há necessidade de se ter teatros nos bairros; se poderia começar reformando o Teatro da Juteca, que fica no Bairro de Cruz das Armas e tem a capacidade para 200 espectadores. 

O novo espetáculo da Cia de Teatro Encena é divertido, mas não deixa de proporcionar uma reflexão sobre os tempos difíceis pelos quais está passando o Brasil com esta nuvem de ignorância que  cobre a nação. Os textos de Karl Valentin são inteligentemente  trazidos para ajudar na compreensão da realidade social. O espetáculo tem um toque do teatro épico brechtiano. Toda coisa tem três lados, vale a pena ser desfrutado como um antídoto e uma luz para esta época de terror obscurantista.

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