Sunday, January 12, 2020

ETERNAMENTE BIBI

Hoje fui ao teatro Lima Penante ver o genial ator Romildo Rodrigues. Alguns podem até achar exagero de minha parte dizer que ele é um ator genial, mas os que assim pensam deveriam ir ver ao espetáculo Eternamente Bibi do grupo Cara Dupla Coletivo de Teatro, no qual ele interpreta e dubla  Bibi Ferreira. Há também quem pense que a arte da dublagem é uma coisa menor que tem mais a ver com show de boate; é verdade que muitos estabelecimentos noturnos usam este tipo de entretenimento para agradar aos clientes. E, convenhamos que há um imenso preconceito com os artistas que se dedicam a esta arte. No entanto, para que ela funcione, é preciso que o artista seja muito bom. No caso de Romildo, nós temos um grande ator que também domina a arte da dublagem.

Numa noite de domingo, geralmente um dia difícil para a bilheteria dos teatros, havia uma número de espectadores que lotou a platéia do Lima Penante. Pessoas de diversos interesses, que foram ver o ator se transformar em Bibi. Podia parecer algo como uma atração de festa de padroeira, mas quando o público acessou a platéia foi surpreendido por antigas canções românticas do rádio da década de 50; no palco estava montado um camarim com mesa de maquilagem, espelho, cabeças com perucas, uma arara com roupas e duas grandes estruturas laterais que lembravam biombos.

No terceiro e clássico toque de Molière a luz se apagou. Uma narração gravada deu informações sobre a vida de Bibi Ferreira. Depois, no centro do palco a luz revelou uma mulher vestida de preto; ela começou a cantar Gota D’água; a cena era tão realista que o ator Buda Lira que estava ao meu lado cochichou ao meu ouvido - “Ela está cantando mesmo, não é?”. Eu lhe respondi -”Não, é dublagem”. Buda arrematou - “É perfeito”. Logo em seguida tivemos uma transição para a canção Basta um dia. O público ovacionou maravilhado. O ator, então, despiu-se da personagem diante do público e começou a explicar o que era a arte da dublagem e do transformismo.

Pensou-se que toda aquela magia iria se perder, uma vez que o segredo do truque havia sido revelado. Ledo engano de quem pensou assim, o ator foi conduzindo o público primeiro para Bibi homenageando Dolores Duran com a canção A noite do meu bem, e em seguida a homenagem que ela havia feito a Amália Rodrigues, a famosa cantora portuguesa de fado com A Mouraria, Nem as paredes confesso. Em vários momentos o ator alternou a interpretação de Bibi com a dublagem numa sincronia perfeita. 

O auge do espetáculo foi quando Bibi interpretou Piaf. O público a esta altura já havia aceitado a presença sobrenatural de Bibi Ferreira entre nós, como se algum poder xamânico tivesse tornado isso possível. O ator foi dialeticamente explicando como Edith Piaf entrou nos planos de Bibi para fazer um show, enquanto ia se transformando diante dos olhos de todos. De repente, lá estava ela cantando Piaf, o mais incrível de tudo, interagindo com o público. Coisas assim somente podem ser proporcionadas pelo teatro, nem mesmo o cinema com toda as tecnologias ainda não foi capaz de realizar a sensação de estar ao vivo, em carne e osso, como diz a sabedoria popular, diante da personagem. O público foi completamente tomado pela sensação de presença; aconteceu aquilo que na teoria teatral se chama de suspensão da descrença; um momento mágico.

Eternamente Bibi na maravilhosa interpretação do ator Romildo Rodrigues, tem texto de Geraldo Fidelis. Direção de Maria Rita.Iluminação de Italo Romany. Sonoplastia de Bruno Delfino. Contra-regra de Robson Oliver e supervisão de Sidney Rufino. A maquilagem é de Romilson Rodrigues, que é irmão de Romildo, também um ator muito bom, que divide o palco com o irmão em outros espetáculos, mas merece atenção uma comédia já consagrada pelo público chamada Diet e Light.

O Cara Dupla Coletivo de Teatro trouxe uma discussão interessante acerca da arte do transformismo, defendendo através do texto de Geraldo Fidelis, que o trabalho destes artistas são também parte da técnica teatral, que não são artistas menores associados a um público específico. O público teve uma excelente oportunidade de conhecer como se faz um trabalho desta natureza, pois o espetáculo apesar de todo o seu poder de encantamento, fez um percurso didático de como se monta a personagem para este tipo de encenação.
Ao final, o ator montou em cena a personagem de Cazuza, que será o próximo espetáculo do grupo. Com certeza valerá a pena conferir.

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