Thursday, July 05, 2018

EU MENINA, NÓS MULHERES - MEMÓRIAS DE DITADURAS

No dia 04 de maio de 2018, apresentou-se no palco do Teatro Sulica da Fundação Cultural do Piauí, o espetáculo Eu Menina, nós mulheres - Memórias de ditaduras, dentro da programação do evento Profissão Artista promovida pelo Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões Públicas do estado do Piauí(SATED-PI).

Foi um acontecimento muito especial apresentar o espetáculo naquele palco que segundo o teatrólogo Aci Campelo, foi um dos primeiros teatros de Teresina. Em seu livro Novo Perfil do Teatro do Piauí ele diz:”Teresina começou o seu teatro nos casarões familiares, sendo a mais antiga casa situada na Praça da Constituição, hoje Praça Marechal Deodoro, onde em 1858 existiu o primeiro teatro chamado Teatro Santa Teresa(Hoje funciona a Fundação Cultural do Piauí)”(1)

A este fato juntaram-se as presenças de pessoas muito importantes do teatro e da cultura piauiensse. Estavam na platéia: a  professora Cecília Mendes (Artista Plástica, Bonequeira, Professora aposentada da UFPI e ex-presidente da Fundação Municipal de Cultura); José Afonso Lima (dramaturgo e ex-presidente da SBAT/PI); Aci Campelo (Dramaturgo) ; as atrizes Lari Sales ( presidente do SATED); Lorena Campelo, Carmem Carvalho e Claudia Amorim, (ex-companheiras de Rosa  na Cia de Mulheres); a dramaturga e professora aposentada da PUC/RJ Isis Baião; o ator Xico Piauí com os seus alunos da Escola Técnica Estadual de Teatro Gomes Campos; o poeta Rogério Newton; os atores Fábio Costa, Wilson Costa e Augusto Neto; a professora e atriz Sandra Loiola. E também a presença do  presidente do SATED/CE Oscar Roney.

A construção do espetáculo seguiu dois caminhos paralelos, que foram se encontrando no resultado final: um caminho de pesquisa e busca pessoal da atriz, que jogou com transversalidades através do corpo de uma menina que vai se tornando mulher sendo atravessada por outros corpos femininos que foram dilacerados pela ditadura militar de 1964.Nisto os sonhos infantis, as brincadeiras, as memórias das travessuras e das angústias foram servindo de contextualização para a evocação de tantas mulheres que corajosamente enfrentaram o monstro fascista e pagaram com a própria vida.Diante de tal riqueza a direção optou por construir a encenação através da escuta psicanalítica.

O processo de construção da encenação de um espetáculo teatral pode fazer uso da técnica de escuta psicanalítica. No espetáculo “Memorias de ditaduras: eu menina, nós mulheres” com a atriz Rosa Carlos partiu-se de um texto motivador inicial de Mabel Veloso, informações sobre o desaparecimento das mulheres militantes da luta contra a ditadura militar brasileira de 1964, acrescidos da escuta psicanalítica das memórias de infância da atriz, usando a maneira de trabalhar da psicanalista Melanie Klein, que  provou que era possível a psicanálise com crianças  trabalhando com as mesmas a partir de interpretações que iam sendo construídas através dos desenhos infantis, e também da abordagem do psicanalista Luiz Cláudio Figueiredo sobre a “teoria geral do cuidar”.

 No caso da atriz estes “desenhos” eram tridimensionais, e construídos no espaço-tempo com o seu corpo. O objetivo foi investigar e construir através das memórias infantis que brotavam do inconsciente da atriz o espetáculo teatral traduzido fisicamente na cena. A montagem do setting analítico como o ambiente propício para a criação das cenas,foi demarcado  como um tabuleiro desenhado no palco que lembrava o jogo de Amarelinha, todas as coisas foram colocadas neste espaço e resignificadas, sendo consolidadas em um espetáculo que foi todo feito através de improvisações estruturadas, que foram se fixando, formando uma estrutura precisa em forma de uma partitura física, vocal e musical.

  A atriz em seu trabalho criativo no palco era como uma criança que recebeu do agente cuidador, o encenador, a atenção necessária para conseguir integrar as suas memórias evocadas no setting analítico dialogando com os contextos históricos nos quais ela estava inserida.

Para acessar as memórias da atriz recuperou-se uma estratégia chamada “gestos-portas” que já havia sido usada pelo encenador em outro espetáculo,  “A Mais forte”, encenado pelo Laboratório de Artes Cênicas da UFPB em 1995. Os “gestos-portas” são semelhantes a atos falhos, através dos quais, é possível acessar as memórias corporais profundas na cena. Como diz a pesquisadora Ciane Fernandes :“O corpo em cena ensina”.

O resultado foi a obtenção de um espetáculo intimista de 60 minutos com uma cenografia construída a partir de objetos significativos para atriz que foram reinterpretados no espetáculo. O uso da abordagem psicanalítica tornou possível e serviu adequadamente para a criação deste espetáculos teatral.

O espetáculo foi concebido para ser  apresentado em espaços alternativos prioritariamente como forma de levar  aos espectadores informações sobre fatos recentes da história brasileira. O teatro brasileiro é um poderoso antídoto contra o fascismo na luta pela democracia. Ao final do espetáculo as fotos de 46 mulheres assassinadas são trazidas para a cena preenchendo todo o palco.


Ficha técnica. Atuação, pesquisa, dramaturgia, figurino e seleção de trilha sonora:  Rosa Carlos. Poema incidental: “Eu Menina” gentilmente cedido por Mabel Veloso. Cenário: Everaldo Vasconcelos e Rosa Carlos. Direção: Everaldo Vasconcelos.


NOTAS

1 - Campelo, Aci. O novo perfil do teatro piauiense-1950-1990. Teresina. Edição do autor.1993

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