Saturday, June 16, 2018

BAILEI NA CURVA

Escrever sobre um espetáculo como Bailei na curva sempre dá um frio na barriga, é uma sensação de que voltamos no tempo, que fizemos uma viagem para um tempo ruim, que retornamos a momentos de nossas vidas que nos doí somente de dirigir o pensamento.

 O espetáculo Bailei na curva conta a estória de um grupo de amigos e de suas vidas, tendo como pano de fundo os acontecimentos históricos em torno do golpe militar  de 1964 até a manifestação das Diretas Já em 1984. Vemos como as  vidas daqueles jovens foram afetadas pelo desastre social construído pelos golpistas militares e civis que implantaram uma ditadura sanguinolenta e destruíram as possibilidades de desenvolvimento do Brasil por duas décadas. O roteiro, escrito em 1983, é de autoria do dramaturgo gaúcho Júlio Conte, que dirigiu a primeira versão, que foi construída originalmente pelo  Grupo Jeito que Dá, a partir de  improvisações dos atores Flávio Bicca, Márcia do Canto, Lúcia Serpa(hoje professora do Bacharelado em Teatro da UFPB), Hermes Mancilha, Regina Goulart e Cláudia Accurso.

Em teatro, costumamos muitas vezes dizer que existem espetáculos que são “datados”, cujos textos tem a particularidade de pertencerem a um momento que não se transmite às gerações futuras. Observamos isso na dramaturgia. São poucos os textos que sobrevivem ao escrutínio do tempo. Bailei na curva parecia ser um texto deste tipo. Na primeira vez que eu o vi, ele era  algo contundente que nos fazia ferver  a alma, tinha sentido. Depois os anos passaram e aqueles anos de horror pareciam terem ido para alguma gaveta da memória. Muitos acreditavam que jamais iríamos viver um retrocesso no processo democrático.

Aconteceram outras montagens, que tive a oportunidade de  ver, como a que foi feita por Cristovam Tadeu, diretor e humorista paraibano, falecido no ano passado, que fez a sua versão de Bailei na Curva em 1985. Mas era algo como um objeto de lembrança de  um tempo abjeto. Ninguém parecia crer na razoabilidade de que existiriam verdadeiros “comensais da morte” ,pessoas monstruosas  o suficiente para serem capazes de engendrar um retrocesso político e social que nos colocasse novamente à beira de caos semelhante a que foi inaugurado pela ditadura de 1964.

Então, quando nos demos por conta, estávamos novamente diante da montagem de Bailei na curva, e estranhamente o espetáculo parecia falar de algo que estava novamente à nossa porta, o desmonte do brasil como país democrático e o surgimento do lamaçal  da  história de pessoas de mentalidade fascista, que antes conviviam ao nosso lado como democratas, verdadeiras serpentes travestidas de gentilezas, túmulos caiados, como já lembrava um grande mestre da humanidade. Cá estamos de novo bailando na curva.

O Bacharelado em Teatro da UFPB com os alunos do 6º período, no semestre letivo 2018.1,  trouxe de  volta o texto Bailei na curva como trabalho de estágio profissional para atores e atrizes. 

A encenação optou pelo formato de arena do espaço cênico, um quadrado com corredores de saída em sua pontas, por onde entravam e saiam os atores e atrizes. 

O figurino foi uma roupa base de cor branca, feita de algodãozinho em cima da qual eram acrescentados detalhes e adereços. Os atores usavam uma placa de cor preta com letras brancas contendo o nome das personagens que estariam fazendo em alguma cena. Aquela placa lembrava aquelas que são usadas para identificar as pessoas nas delegacias e remeteram à lembrança de  uma placa famosa de Lula preso no inicio da década de 80. Lembrança inevitável uma vez que Lula é atualmente um preso político desta nova modalidade de ditadura que se inaugurou no Brasil, onde a lei não é aplicada de forma justa e imparcial, mas como instrumento político de um grupo  alinhado a interesses do mercado financeiro internacional.

Em um determinado momento, quando o espetáculo mostrou o ufanismo da propaganda da ditadura na década de 1970 através da grande mídia da época enaltecendo a copa do mundo de futebol, o espetáculo fez uma leitura transversal  de uma coreografia recente utilizada pelos apoiadores do golpe de 2016, que ficou conhecida como a dança dos patos golpistas, que ao contrário da dança da chuva, teve os poderes negativos de destruir um país e sua democracia. Os dançarinos da destruição foram evocados no palco e reconhecidos pelo púbico como agentes da maldade, da ignorância e do egoísmo.

As atrizes e os atores demonstraram o altíssimo nível de preparação do Bacharelado em Teatro da UFPB. Uma composição adequada de  personagens, que se alternavam entre os sete atuantes, que faziam indistintamente papeis masculinos ou femininos conforme a necessidade da cena com as partituras físicas e vocais bem construídas, sem caricaturas e apelos aos clichês teatrais já consagrados e conhecidos do público. Vimos atores e atrizes em cena dando vida a um dos períodos traumáticos da vida brasileira. O público riu, sentiu a dor e alegria de cada uma das personagens que vieram ao palco.


Na ficha técnica. Encenação de Heráclito Cardoso. Produção Aelson Felinto. No elenco: Aelson Felinto, Amanda Galvão, Leneeton Oliveira, Luiza Vieira, Luna Alexandre, Miguel Segundo e Valter Olivério. Direção de arte, Rayssa Medeiros. Cenário de Miguel Segundo e Heráclito Cardoso. Figurinos de Luna Alexandre.Concepção de iluminação: Aelson Felinto e Miguel Segundo.Preparação Vocal de Elthon Fernandes. Preparação corporal de Candice Didonet. Roteiro de audiodescrição: Larissa Hobby. Narrador audiodescritor: Marcelo de Oliveira Azevedo. Apoio de audiodescrição: Aelson Felinto Dyan Ushita, Maria Bethánia, Rafael Ângelo e  Moisés de Pia. Chefe do Departamento de Artes Cênicas: Adriana Fernandes. Coordenação do curso de Bacharelado em Teatro: Elthon Fernandes e Liria Moraes.  

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