Sunday, May 27, 2018

VIOLETAS

No último dia 19 de maio de 2018,no Teatro Lima Penante, do Núcleo de Teatro Universitário da UFPB, às 20 horas, apresentou-se o espetáculo Violetas dentro da programação do I Festival Feminino de Monólogos Mulheres de Maio. Faltaram lugares. Foram colocadas cadeiras extras.
Quando a luz se apagou, uma canção invadiu a platéia, uma voz limpa e melodiosa que embalou todos os espectadores. Vindo pela sala apareceu a atriz cantando, por momentos todos se questionaram se aquela era a voz dela ou alguma gravação perfeita. Ela subiu para o palco e então todos se renderam à competência e beleza de  Mayra Montenegro dando início ao espetáculo Violetas.

A apresentadora de um programa de rádio surgiu no palco, evocando a presença da grande empresa multinacional Esso e sua influência no Rádio Brasileiro nas décadas de 40 a 70. Começou então um programa dedicado às donas de casa com dicas para cuidar de seus maridos. Aquele programa era uma doutrinação machista que reservava à mulher uma posição subalterna, sempre dependente do homem, um animal doméstico com as funções de  procriação e serviços, dos sexuais até limpeza, cozinha e criação dos filhos.

Nos intervalos deste programa foi sendo apresentado a história de Dona Vilma, uma antítese ao modelo pregado pela mídia radiofônica predominante. Ela não se conformava com o papel que lhe haviam reservado tradicionalmente. No palco, fomos sendo apresentados ao mundo dela através do depoimento de outras personagens, que  foram fisicalizadas com muita precisão pela atriz, através de uma mímese corpórea milimetricamente executada. A beleza desta técnica, é que ela não é uma caricatura de  outra pessoa, e sim, uma partitura física e vocal que descreve com perfeição o outro. A atriz é como um instrumento que toca esta  partitura.

Descobrimos a certa altura que a personagem da qual se fala é a avó da atriz. Foi interessante ver como ao falar de  algo tão pessoal, o espetáculo transcendeu para a abordagem de temas universais. A velha e constante luta pela igualdade de direitos continua viva. Hoje, nos assustamos com reaparecimento de uma mentalidade fascistas tão retrógrada e perversa como a difundida pelo programa de Rádio patrocinado pela Esso. Há mulheres, hoje, que apóiam aquelas idéias de submissão e anulação de si mesmas. Mas, graças a Dona Wilma, não a sua neta e sua descendência.

Violetas conduz o público por uma estrada de memórias dolorosas, abrindo feridas, conectando as forças profundas do ser em luta por uma existência digna. Apesar do clima aparentemente humorístico construído pelo programa de rádio, o público foi sendo impactado pelo absurdo de algumas proposições, ou dicas para a mulher recatada e do lar. O que era riso, tornava-se um gosto amargo. Era como se todos estivessem sendo desnudados de suas máscaras sociais e aparecesse a realidade do consentimento passivo e hipócrita ao pensamento misógino que tem mostrado a sua cara.

 Violetas funcionou como uma bomba relógio, as pessoas riam das falas da apresentadora do programa de rádio como se fossem piadas grosseiras e, logo em seguida, se viam ridículas diante do que realmente estava acontecendo.

Violetas tem também um caráter documental que foi muito bem costurado pela direção, sem permitir que fosse algo hermético apenas acessível a um grupo restrito de familiares ou amigos próximos. A construção de blocos como páginas de  um velho álbum que foi sendo revelado ao público sem pieguice, sem lugares comuns. Parecia um conto de fadas.

O espetáculo é muito bem construído. As cenas fluíram uma após a outra, trazendo a cada momento uma expectativa do que viria a seguir, como um riacho que se encontra  com o fluxo de um outro rio, e somando-se a este aumenta a corredeira. O público tinha a sensação de que estava indo para uma cachoeira. E assim foi, quando no final  uma projeção de imagens de Dona Wilma apareceu ao fundo numa seqüência de imagens biográficas que culminaram com a presença da própria atriz, e tudo foi como as águas de uma cachoeira caindo e molhando a todos.

Violetas é um trabalho de natureza antropológica.A dramaturgia é de Mayra Montenegro, construída a partir de suas memórias e da pesquisa com pessoas que  conviveram com Dona Vilma.Direção: Raquel Scotti Hirson (Lume Teatro).Assistente de direção: Eleonora Montenegro. Dramaturgia: Mayra Montenegro. Direção Musical: Mayra Montenegro e Eli-Eri Moura. Cenografia: Rogério Ferraz e João Marcelino. Luz: Eleonora Montenegro. Figurinos: João Marcelino. Produção: Marcelina Moraes da Amora Produções.

Violetas encantou o público do I festival Feminino de Monólogos Mulheres de Maio recebendo o prêmio do Juri Popular Trofeu Zezita Matos.

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