Monday, May 28, 2018

TRAVESSIA

O I Festival de Monólogos Femininos Mulheres de Maio realizado pelo Núcleo de Teatro Universitário da Universidade Federal da Paraíba encerrou-se no último dia 24 de maio de 2018, às 20 horas, com o espetáculo Travessia com a atriz Kassandra Brandão, tendo na platéia um público que resistiu ao caos da falta de combustível provocada pela desastrosa política de preços implantada pelo Governo Federal para agradar o mercado financeiro internacional.

O público aguardava do lado de fora do teatro , quando foi convidado para entrar e sobre  o palco do Teatro Lima Penante estava arrumado um circulo de cadeiras em volta de um arranjo cenográfico com folhas secas e alguns objetos; na grande cortina de fundo(rotunda), estava sendo projetado um vídeo de uma senhora idosa que dava um depoimento. O público acomodou-se ao redor. A luz apagou-se e a atriz adentrou o circulo. Ela falou da dificuldade de desapegar-se das coisas e como a vida era feita de escolhas difíceis.

Em sua narrativa pediu a um espectador que retirasse um objeto de  um pequeno baú, no qual havia muitas coisas, cada uma carregada de memórias. São nos objetos que deixamos gravados os pequenos pedaços de nossa vida. É neles também que moram as nossas amarras; são muitas vezes as chaves de nossa prisão interior.

 O espectador teve o baú aberto diante  de si, e lá encontrou algumas bonecas e outros ítens, mas deteve-se em um troféu com o seu aspecto reluzente, tendo na base uma formação metálica que lembrava uma rosa estilizada.

 A atriz pegou aquele objeto, respirou fundo, e disse que aquele era um troféu de quando havia participado de um concurso de beleza em sua cidade, Juazeiro do Norte. Ela lembrou que havia sido a sua mãe que a tinha  inscrito na competição. E que logo em seguida começaram os preparativos, que foi muita maquilagem, roupas e todos os investimentos decorrentes  de uma empreitada dessa natureza. A atriz confessou que depois que se viu no espelho toda pintada sentiu-se horrível, mas que ao final do concurso tirara um terceiro lugar, e que aquilo era algo a se valorizar, pois o primeiro lugar hoje era uma modelo internacional.

 A atriz então começou a nos conduzir por sua Travessia, que foi executada pelo desapego de três objetos simbólicos: um violão, uma velha escrivaninha e um abajur. Do violão ela contou como se encantou pelo instrumento, e como foi aprendendo algumas notas, três acordes que ainda  lembrava, mas que ficara somente  nisso. Não foi muito difícil desvencilhar-se do instrumento, apesar da carga emocional que ele possuía.

Depois a atriz narrou um fato de sua infância, de como cortou os seus cabelos que eram compridos quase alcançando a sua cintura. Revelou que o seu pai obrigava todas as suas filhas a terem um cabelo grande, pois tinha a opinião formada de que “mulher tinha que ter cabelo grande”, e prometia uma grande surra em qualquer uma de suas filhas que o cortassem. Ela, então, certo dia quando estava em casa de uma tia, usando as tesouras de costura, cortou o cabelo deixando-o muito curto. Ela acrescentou que amarrou um pano na cabeça para esconder o feito de seu pai. Chegando em casa justificou que estava usando aquele pano para remédio contra piolhos, mas o pai descobriu e deu-lhe uma grande surra. As suas irmãs diante da violência do genitor também cortaram os seus cabelos. A  perda dos cabelos fora como uma sinalização da posse de  si mesma e um desapego da dominação do outro sobre o seu ser.

Ela contou a estória de  sua velha escrivaninha que usava para escrever  o seu  diário e também estudar, mas o móvel foi ficando velho, sendo carcomido pelo tempo e pelos cupins, ficou velha, morreu. Ela fez o enterro simbólico daquele objeto promovendo mais uma etapa de  sua Travessia, preparando-se para enfrentar-se cada vez mais a si mesma, tendo o luto como uma necessidade mas não um ponto de parada. Ela seguiu em frente.

Ela propôs à platéia um jogo chamado hilo rojo, fio vermelho, no qual as pessoas devriam dizer uma qualidade e um defeito e jogava o novelo para outra pessoa da platéia. Assim, os espectadores foram tecendo uma teia sobre o espaço cênico com qualidades e defeitos de cada um. Em seu desnudamento ela foi também desnudando as pessoas que foram também mergulhadas em sua travessia, trazendo de suas memórias também os objetos simbólicos que se constituiram nas marcas prisionais de cada individuo.

 Quanto ela trouxe a lembrança de  sua primeira experiência sexual que foi duramente  criticada pelo entorno familiar, então o músico que a acompanhava ao vivo, tornou-se também um ator coadjuvante, e  amarrou-a com aquele fio vermelho, proferindo agressões verbais: “Vadia, rapariga, foi tudo sua culpa”. Ela então ela explodiu, libertando dos fios e expulsando aquela força masculina opressora de sua cena.

E então assistimos a passagem pelo ultimo objeto: um abajur, que era  um objeto simbólico das mulheres da sua familia, que continha nele as regras  de submissão de todas aos costumes patriarcais tradicionais. Aquele objeto morreu na mão dela, ela o quebrou e assim fez a sua travessia libertando a sua imagem do tradicional papel feminino. Ela era dona do seu destino e de seu corpo.

A dramaturgia é de Kassandra Brandão com a colaboração de Joht Cavalcanti. A música ao vivo é feita por Matteo Ciacchi.A iluminação é de Fabiano Diniz. A direção é de Celly Farias.A produção é do Grupo Graxa de Teatro.

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