No dia 30 de
novembro de 2017, no VI Festival Nacional de Teatro do Piauí que foi
realizado na cidade de Floriano, apresentou-se o espetáculo Tekoha, Ritual
de Vida e Morte do Deus Pequeno, em frente ao teatro Maria Bonita, no
Cais do Porto, Avenida Beira Rio, às 20 horas. O espetáculo foi
produzido pelo Grupo Teatro Imaginário Maracangalha, da cidade de
Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
O teatro de rua
parece ser a coisa mais fácil das artes cênicas, trata-se da
recuperação de algo antigo escondido dentro de nosso ser, trazemos
assim toda a tradição dentro de nós. Outra coisa é que o teatro
de rua não precisa de muito, somente a rua e os espectadores; de
forma impressionante, o público sempre se forma ao redor de um ponto
de atenção. Então, julga-se que é uma coisa fácil de realizar,
no entanto, isto é apenas uma parte da estória. Fazer acontecer o
teatro de rua e obter a cumplicidade dos espectadores não é uma
tarefa tão fácil; dentro do edifício teatral o publico é obrigado
a comportar-se, mas na rua as coisas caminham de forma mais livre.
Um incidente antes
do início do espetáculo por pouco não transformou-se em um evento
mortal - um carro veio pela rua desobedecendo a sinalização da
Prefeitura de que naquele lugar estava acontecendo um evento
cultural. O carro avançou e parou rente ao limite do círculo cênico
onde aconteceria o espetáculo. Por coincidência, falando-se da
arrogância das elites opressoras, tínhamos um exemplo ao nosso
lado. Os espectadores colocaram-se na frente do carro e tememos que o
motorista no seu ódio a arte e a cultura, acelerasse e machucasse as
pessoas. Os espectadores não se intimidaram e engrossaram a proteção
ao espetáculo e o automóvel recuou. O espetáculo começou
enfrentando a mesma natureza de problemas que enfrentou o líder
indígena como também tantos outros mártires, que no decorrer da
encenação foram sendo lembrados. O público espontaneamente
explodiu em um grande grito: “Fora Temer”. Aquilo potencializou
o acontecimento do espetáculo, sem contudo ter degringolado para o
panfletário.
Tekoha, ritual de
vida e morte do deus pequeno é um espetáculo sobre a liderança
indígena Marçal de Souza. Eles começaram com um cortejo que
iniciou um pouco distante do círculo de espectadores que os
aguardavam na frente do Teatro Maria Bonita. De longe viu-se aquela
trupe de artistas vir se aproximando dos espectadores com um
estandarte; eles vieram lentos, acompanhados pela batida de um tambor
que conferiu um tom fúnebre ao cortejo, aproximaram-se, tomaram o
centro do círculo, e com muito cuidado foram construindo
primeiramente o espaço da cena.
Eles trouxeram os
espectadores para dentro daquele espaço resignificado e somente
depois iniciaram a contar a luta de Marçal pelos direitos dos povos
indígenas. Foram estabelecendo ligações com outras lideranças de
outros setores da luta popular, usando recursos demasiadamente
simples; foram construindo a saga da luta dos oprimidos no Brasil.
A direção fez
uso de recursos bem simples: bastões de bambu, tecidos e alguns
poucos objetos. Os atores e as atrizes, todos em igualdade de
condições, formaram um único e coeso organismo cênico.
Ao final ficou a
frase: “o que dói mais é a impunidade”. Um dos pontos
impactantes do espetáculo foi quando os atuadores foram lendo
notícias de jornal, de manchetes reais, apresentando os nomes de
políticos e seus respectivos partidos e sua ação na perseguição
aos trabalhadores. Houve também uma referência ao poder judiciário
que está sempre a serviço dos ricos. O espetáculo narra o
julgamento do assassinato de Marcel com cinco tiros na porta de casa,
e reproduzem as falas do juiz que distorceu todo o processo para
inocentar os réus fazendeiros mandantes do crime, até que o
processo morreu por prescrição. A sensação da plateia foi de ter
sido envolvida na corrente da história do Brasil, e de todos os
povos oprimidos.
No grito de guerra
dos atores a frase da arte contra a barbárie, e como disseram não
se pode calar diante da injustiça. O Grupo de Teatro Imaginário
Maracangalha estreou este espetáculo no ano de 2010 através do
Prêmio FUNARTE Artes Cênicas nas Ruas 2010 e vem circulando desde
então pelo Brasil. A dramaturgia é de Fernando Cruz e atuadores. No
elenco: Moreno Mourão, Fran Lorena, Ariela Barreto, Renderson
Valentin e Fernando Cruz, que também assina a direção, tendo
inclusive recebido o prêmio de melhor direção na categoria teatro
de rua do VI Festival Nacional de Teatro do Piauí.
Para o público
presente ficou a sensação de que fazíamos um tempo que não víamos
um espetáculo de rua, que sem ser panfletário. tem uma imensa
força politica de intervenção social. Muitos dizem que a arte não
pode fazer a revolução. É verdade, não pode, mas é uma grande
ajuda na luta contra a opressão. Este espetáculo nos mostrou que
podemos lutar e muito. Sabemos que estas coisas ruins que ocorrem no
Brasil tem causas mais profundas. O que se pode fazer é plantar a
semente da resistência, continuar dando voz a todos aqueles que
tombaram dando a sua vida na luta por melhores condições de vida
para o povo pobre.
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