Thursday, May 03, 2018

TEKOHA, RITUAL DE VIDA E MORTE DO DEUS PEQUENO


No dia 30 de novembro de 2017, no VI Festival Nacional de Teatro do Piauí que foi realizado na cidade de Floriano, apresentou-se o espetáculo Tekoha, Ritual de Vida e Morte do Deus Pequeno, em frente ao teatro Maria Bonita, no Cais do Porto, Avenida Beira Rio, às 20 horas. O espetáculo foi produzido pelo Grupo Teatro Imaginário Maracangalha, da cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

O teatro de rua parece ser a coisa mais fácil das artes cênicas, trata-se da recuperação de algo antigo escondido dentro de nosso ser, trazemos assim toda a tradição dentro de nós. Outra coisa é que o teatro de rua não precisa de muito, somente a rua e os espectadores; de forma impressionante, o público sempre se forma ao redor de um ponto de atenção. Então, julga-se que é uma coisa fácil de realizar, no entanto, isto é apenas uma parte da estória. Fazer acontecer o teatro de rua e obter a cumplicidade dos espectadores não é uma tarefa tão fácil; dentro do edifício teatral o publico é obrigado a comportar-se, mas na rua as coisas caminham de forma mais livre.

Um incidente antes do início do espetáculo por pouco não transformou-se em um evento mortal - um carro veio pela rua desobedecendo a sinalização da Prefeitura de que naquele lugar estava acontecendo um evento cultural. O carro avançou e parou rente ao limite do círculo cênico onde aconteceria o espetáculo. Por coincidência, falando-se da arrogância das elites opressoras, tínhamos um exemplo ao nosso lado. Os espectadores colocaram-se na frente do carro e tememos que o motorista no seu ódio a arte e a cultura, acelerasse e machucasse as pessoas. Os espectadores não se intimidaram e engrossaram a proteção ao espetáculo e o automóvel recuou. O espetáculo começou enfrentando a mesma natureza de problemas que enfrentou o líder indígena como também tantos outros mártires, que no decorrer da encenação foram sendo lembrados. O público espontaneamente explodiu em um grande grito: “Fora Temer”. Aquilo potencializou o acontecimento do espetáculo, sem contudo ter degringolado para o panfletário.

Tekoha, ritual de vida e morte do deus pequeno é um espetáculo sobre a liderança indígena Marçal de Souza. Eles começaram com um cortejo que iniciou um pouco distante do círculo de espectadores que os aguardavam na frente do Teatro Maria Bonita. De longe viu-se aquela trupe de artistas vir se aproximando dos espectadores com um estandarte; eles vieram lentos, acompanhados pela batida de um tambor que conferiu um tom fúnebre ao cortejo, aproximaram-se, tomaram o centro do círculo, e com muito cuidado foram construindo primeiramente o espaço da cena.

Eles trouxeram os espectadores para dentro daquele espaço resignificado e somente depois iniciaram a contar a luta de Marçal pelos direitos dos povos indígenas. Foram estabelecendo ligações com outras lideranças de outros setores da luta popular, usando recursos demasiadamente simples; foram construindo a saga da luta dos oprimidos no Brasil.

A direção fez uso de recursos bem simples: bastões de bambu, tecidos e alguns poucos objetos. Os atores e as atrizes, todos em igualdade de condições, formaram um único e coeso organismo cênico.

Ao final ficou a frase: “o que dói mais é a impunidade”. Um dos pontos impactantes do espetáculo foi quando os atuadores foram lendo notícias de jornal, de manchetes reais, apresentando os nomes de políticos e seus respectivos partidos e sua ação na perseguição aos trabalhadores. Houve também uma referência ao poder judiciário que está sempre a serviço dos ricos. O espetáculo narra o julgamento do assassinato de Marcel com cinco tiros na porta de casa, e reproduzem as falas do juiz que distorceu todo o processo para inocentar os réus fazendeiros mandantes do crime, até que o processo morreu por prescrição. A sensação da plateia foi de ter sido envolvida na corrente da história do Brasil, e de todos os povos oprimidos.

No grito de guerra dos atores a frase da arte contra a barbárie, e como disseram não se pode calar diante da injustiça. O Grupo de Teatro Imaginário Maracangalha estreou este espetáculo no ano de 2010 através do Prêmio FUNARTE Artes Cênicas nas Ruas 2010 e vem circulando desde então pelo Brasil. A dramaturgia é de Fernando Cruz e atuadores. No elenco: Moreno Mourão, Fran Lorena, Ariela Barreto, Renderson Valentin e Fernando Cruz, que também assina a direção, tendo inclusive recebido o prêmio de melhor direção na categoria teatro de rua do VI Festival Nacional de Teatro do Piauí.

Para o público presente ficou a sensação de que fazíamos um tempo que não víamos um espetáculo de rua, que sem ser panfletário. tem uma imensa força politica de intervenção social. Muitos dizem que a arte não pode fazer a revolução. É verdade, não pode, mas é uma grande ajuda na luta contra a opressão. Este espetáculo nos mostrou que podemos lutar e muito. Sabemos que estas coisas ruins que ocorrem no Brasil tem causas mais profundas. O que se pode fazer é plantar a semente da resistência, continuar dando voz a todos aqueles que tombaram dando a sua vida na luta por melhores condições de vida para o povo pobre.

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