Friday, May 04, 2018

IVAN, O DEFEITUOSO



No dia 30 de novembro de 2017 o VI Festival Nacional de Teatro do Piauí , que realizou-se na cidade de Floriano, apresentou um espetáculo deliciosamente “terrível”. Vou começar pela descrição dos fatos: fomos orientados que o espetáculo iria começar uma hora antes no Teatro Maria Bonita. Após o almoço no Restaurante Velho Monge, ficamos vagando pela calçadão do Rio Parnaíba, curtindo o sorvete e o calor intenso esperando o momento de ir conhecer Ivan , o defeituoso.

Próximo às 14 horas fomos para o hall do teatro, onde nos encaminharam para a platéia; imaginávamos o que poderia acontecer, pois as atrizes estavam deitadas no palco e a vara de luz interna das contra-luzes estava baixada quase rente ao palco. Ficamos nas cadeiras curtindo o ar condicionado.

Pensávamos será que o espetáculo já começou? Imaginávamos que fosse algo parecido com um Live Action do Role Play Game, ou coisa assemelhada. Lá pelas tantas, subiram ao palco dois atores trajando um figurino base de cor preta; começaram avisando que eles não eram atores do espetáculo, que estavam ali para nos dar algumas regras. A primeira era o preenchimento de um questionário com perguntas sobre a saúde, em quantas pessoas confiávamos naquela plateia, quantas pessoas conhecíamos, e até o tipo sanguíneo.

Depois nos pediram para voltar para o hall do teatro e fizéssemos duas filas, e que fossemos colocando todos os objetos, bolsas, celulares e garrafinhas de água em saquinhos personalizados; cada espectador recebeu uma numeração .

Em seguida todos os espectadores foram vendados e conduzidos pela rua até um ônibus que estava estacionado próximo; isto por si, já representou um happening muito interessante para a população da cidade que assistia ao acontecimento. O trajeto foi uma experiência sensorial fantástica. Quando o ônibus parou, as pessoas tentavam advinhar onde estávamos, uns diziam que perto de uma rodovia federal, outros diziam que havíamos voltado para o mesmo lugar.

Fomos todos conduzidos até o Teatro da Cidade Cenográfica de Floriano, levados para dentro do teatro e colocados sobre o palco. A música criava um ambiente associado a um clima de fantasia. Neste momento, as irmãs Amanda e Letícia começaram a falar de Ivan, o defeituoso, dando informações de que o seu irmão havia matado os seus pais.

Os espectadores ainda vendados foram submetidos a algumas experiencias sensoriais de pequenos toques no corpo e empurrões, primeiramente pelas irmãs e depois pelo próprio Ivan, que soltou-se e circulava entre nós.

Depois As irmãs pediram que retirássemos as vendas. Todos estávamos livres para irmos para a plateia, somente uma espectadora, Tércia Maria, da cidade Teresina, do Grupo Tear de Teatro, ficou presa em correntes dentro da jaula onde estava acorrentado Ivan, o defeituoso.

Do ponto de vista habitual todos achávamos que o espetáculo estava começando o seu ciclo normal , e as irmãs Amanda e Letícia, deixaram claro que apresentavam o irmão como atração de um circo de horrores. Através da pessoa que havia ficado presa colocaram a discussão da solidariedade, já que ninguém na plateia teve qualquer iniciativa de ir soltá-la; colocaram a discussão da confiança de um no outro, perguntando aos espectadores se confiavam e conheciam a pessoa que estava sentada ao lado na plateia.

Em um momento de clímax elas soltam Ivan para que o mesmo venha comer numa mesa próxima ao publico. Servem-lhe linguiças cruas, que são trinchadas com violência. Depois os pedaços são atirados no público. Em outro momento colocam nesta mesa um pedaço de carne crua com osso, que é comido pelas atrizes, por Ivan, e oferecido também aos espectadores. Alguns aceitaram comer da carne crua.

As irmãs vendem sempre a violência de Ivan associando a sua deformidade a uma coisa ruim. Vamos percebendo que Ivan é uma criatura dócil apesar da sua aparência terrível, enquanto a maldade mesma é promovida pelas irmãs. Ao final as Amanda e Letícia saem conduzindo a espectadora para fora provavelmente para matá-la, enquanto Ivan coloca um vaso de flores sobre a mesa revelando a sua natureza pacífica.

Aprendemos que muitas vezes quem vende e pratica o mal é exatamente a carinha bonitinha que apregoa aos quatro ventos as suas bandeiras pelo bem, mas que na surdina são promotoras do mal em si.

Fomos vendo a cada cena caírem as máscaras daquelas irmãs que falavam da luta contra o mal somente da boca para fora. Depois os espectadores foram conduzidos para a porta do ônibus onde por sorteio foram sendo devolvidas os seus pertences pessoais. Ficamos diante de uma metáfora poderosa da condição brasileira e do mundo. Na volta para o hotel Ivan continuou povoando as nossas conversas . Não pudemos de deixar de fazer um paralelo com esta onda conservadora fascista que invade o Brasil capitaneado pelas caras bonitinhas por fora mas carregadas de ódio por dentro.

O espetáculo foi escrito e dirigido por Thiago Barba. No elenco: As competentes atrizes Suzi Daiane, como Amanda, irmã mais velha de Ivan e Maria Falda, como Natasha, irmã mais nova; Thiago Barba excelente como Ivan. Trilha sonora Jefferson Bitencourt. A produção foi da Cia Avenida Artística Lamparina de Jaraguá do Sul, estado de Santa Catarina.

O diretor disse que gostava de cinema de horror e inspirou-se na trilogia Lugosi, um espetáculo dirigido por Jefferson Bitencourt. Também fez referencias ao filme Freaks(Monstros) de 1932. O diretor é um músico que cursou Artes visuais na universidade e depois dedicou-se ao teatro, segundo ele as vicissitudes da vida foram conduzindo-o ao mundo do espetáculo teatral.

No VI Festival Nacional de Teatro do Piauí foram indicados para os prêmios de melhor maquiagem com Lucas Davi, e melhor atriz com Suzi Daiane e ganharam o prêmio de melhor figurino, com Lucas Davi. Foi um espetáculo que encantou o público.


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