Saturday, March 31, 2018

ATRIZES EM DIÁLOGO

No ultimo dia 8 de março de 2018, Dia Internacional da Mulher, reuniram-se no palco do Teatro Lima Penante um grupo de atrizes para conversar sobre a condição e presença feminina no teatro. A ideia era de um chá da tarde com a subtítulo atrizes em diálogo.   Organizaram o evento: Mônica Macêdo; Sanzia Marcia;  Fabiola Ataíde e Leide Alcântara, todas funcionarias do Núcleo de Teatro Universitário da UFPB. Feitos os convites,  as atrizes foram chegando e se aconchegando sobre o palco.

Alguns atores apareceram, mas foi ficando claro que era uma conversa  muito especial; os homens poderiam ficar na platéia e escutar se assim quisessem; foi assim que pude testemunhar o encontro.

Estiveram presentes 23 atrizes, numa faixa etária de dez aos cinqüenta anos em média; novíssimas atrizes chegando agora aos palcos e atrizes veteranas continuando a sua trajetória artística.

Nisso começou a falação propriamente dita com a atriz Mônica Macêdo dando as boas vindas e refletindo sobre o ser mulher e atriz; ressaltou como era especial estarem todas sobre o palco ali comemorando uma data  dedicada às mulheres; lembrou que somente  no século XVII, no mundo ocidental, as mulheres tiveram a oportunidade de protagonizar um papel  no palco com a atriz francesa Therese du Parc, representando a personagem Fedra, de Racine. Ela lembrou que durante  milênios as mulheres estavam no palco através de homens que representavam os papéis femininos.

É certo que a história que nos foi contada é que as mulheres  estiveram numa posição subalterna na arte do teatro durante muitos séculos, mas esta é a história que foi contada por homens para legitimar a supremacia patriarcal. Hoje já existem estudos que levantam outras possibilidades. Sifakis (1) em um artigo para Revista Hespéria,  levanta a possibilidade de  uma atriz na comédia no século III e fala da presença feminina em outras formas dramáticas. No livro Teatro e Feminismo, a autora Sue-Ellen Case fala de uma desconstrução feminista dessa história do teatro que estudamos na sala de aula.(2)

No palco do Teatro Lima Penante cada atriz foi compartilhando a sua experiência com o teatro. Em  todos  os depoimentos foram aparecendo os desafios enfrentados, além da própria dificuldade  da disciplina teatral em si mesma. Havia além disso, a familia, os amigos com os seus preconceitos, faltava então ir explicitando a vida de cada  uma em uma corrente de emoção genuína, onde se colocou  a necessidade de  encontros como esse que valorizava e protegia a luta das artistas ali presentes.

Foi impressionante observar a atenção com que cada história era contada. Em um dos momentos, se pensou em limitar-se o tempo de falação, mas a cada fala, todas as atrizes voltavam a atenção para a falante da vez e lhe dedicavam um carinho atencioso, que dava a segurança para revelar na grande roda os seus segredos, as dores ocultas e vendo como tudo transcorreu, descobriu-se que, em verdade,  apesar de se conhecerem há muito tempo, quase todas desconheciam os detalhes da vida da  outra, e isto as tornou ainda mais fortes.

Foi um momento de intensa energia. Depois escutei de uma das participantes, que tinha abraçado uma outra de quem mantinha uma certa  distancia de “inimiga cordial”, mas que ali diante da  dor comum, esquecera-se disso e a abraçara com intensidade, somente se lembrando da antiga rixa depois que o evento já tinha se encerrado.

Entre atrizes experientes, a presença de atrizes que estavam começando  o teatro, e ainda mais jovem, a atriz Julia Gaião que deu o seu depoimento  de ter participado do espetáculo Labirinto Zumbi no ano passado.

O pano de fundo foi um chá da tarde que  serviu de mote para esta conversa de empoderamento feminino. Este acontecimento lembrou-me um artigo que havia lido  na internet sobre  o Laboratório Madalenas - Teatro das oprimidas(3). E também o primeiro Festival internacional de Mulheres no Teatro Experimental organizado no País de Gales em 1986(4), que reuniu atrizes e suas performances para trocas de experiências numa rede internacional de compartilhamento.

Naquele Chá da Tarde - Atrizes em Diálogo ocorreu algo de uma força excepcional, que deverá se repetir outras vezes, em eventos como o I Festival Mulheres de Maio, que se está organizando ainda  para maio do corrente ano. O diálogo  das atrizes também terminou por desnudar a face cruel da atividade artística com relação às mulheres. Algumas conseguem sobreviver ao ataque e assédio moral  indo em frente e dedicando-se às artes cênicas enfrentando o sofrimento e a dor com uma dose altíssima de  resiliência.

Não ouvi em nenhum momento nos depoimentos alguma das atrizes dizerem que estavam fazendo teatro como um trampolim para uma outra coisa, como a televisão, por exemplo.  Todas se  orgulhavam de sua luta e dedicação a arte do teatro, um intenso amor, uma paixão avassaladora.

É no teatro que as grandes atrizes amadurecem e constroem verdadeiramente o seu ninho, vivem ali  mil vidas, tornam a existência muito mais intensa. Sabemos que muitos homens também enfrentaram as dificuldades  que são  normalmente associados a este tipo de opção profissional , mas não há comparação, temos uma sociedade machista, misógina que não consegue ter  a clareza do que significa ser mulher. Tornar-se mulher é algo que vai além da opção de gênero, é uma luta. Tornar-se uma atriz é uma guerra.

Estiveram presentes ao encontro: Mônica Macêdo; Leide Alcântara; Itamira Barbosa; Maria Betânia; Celly de Freitas; Adriana Fernandes; Katheryne Menezes; Margarida Santos; Dyan Urshita; Dudha Moreira; Valeska Picado; Sheila Martins; Eulina Barbosa; Larissa Lima; Fabíola Ataíde; Sanzia Márcia; Kassandra Brandão; Ingrid Castro; Mayara Santos; Shirley Jackline; Bárbara Gomes; Adyelle Santos e Júlia Gaião.

REFERÊNCIAS

(1) SIFAKIS, G. M. Comedia: An Actress of Comedy. Hesperia: The Journal of the American School of Classical Studies at Athens.  Hesperia: The Journal of the American School of Classical Studies at Athens. [S.l.]: The American School of Classical Studies  at Athens, 1966. v. 35. p. 268–273. Disponível em: .

(2) CASE, Sue-Ellen. Feminism and theatre. [S.l.]: Routledge, 2014.

(3) SANTOS, Bárbara; VANNUCCI, Alessandra. Laboratório Madalena - Teatro das Oprimidas. kuringa-barbarasantos.blogspot.com.br.  kuringa-barbarasantos.blogspot.com.br. [S.l: s.n.], 2010. .
 Disponível em: .

(4) BASSNETT, Susan. The Magdalena Experiment. New Directions in Womenś Theatre. The Drama Review: TDR. The Drama Review: TDR.  [S.l.]: The MIT Press, 1987. v. 31. p. 10–17.
Disponível em: .

No comments: