Sunday, January 21, 2018

MASTER CLASS

A condição humana é bem representada pelas duas máscaras que simbolizam o teatro: a tragédia e a comédia. A vida das pessoas está contaminada por estes dois vieses, visto que vivemos o trágico e somos alvo da comédia.  Ontem, no Teatro Paulo Pontes, em João Pessoa, fomos colocados diante da crueldade dessa humanidade no espetáculo Master Class. O autor Terrence McNally capturou em uma singular faceta a estória de uma pessoa e toda a sua condição trágica, demasiadamente humana, não só pela apresentação do drama pessoal, mas pela exposição cirúrgica, daquilo que nos torna objetos da tragédia, a presunção de que temos o controle total de nossas vidas. O trágico é testemunhado pela visão do espectador que assiste ao sofrimento alheio e tenta negar a si o mesmo destino. A personagem Maria Callas no palco tenta encontrar os meios de se superar sem entregar-se a comiseração alheia, procura vencer a autoflagelaçao e rompe com as próprias limitações. Vimos como a vida humana é um holograma, como tão bem expressou o autor através de uma Master Class, revelando a luta de um indivíduo em busca de sentido.

Master class nos leva para os bastidores de uma mulher chamada Maria Callas, um monstro sagrado da arte construído pela imaginação alheia, La Divina, vemos a condição daquela que tendo a aparência de algo deifico, como no titulo que lhe deram, tem por outro lado, invisível à maioria, a sua dor secreta, que não interessa ao publico a não ser como parte do espetáculo. Somos levados a esta personagem pelas mãos do diretor José Possi Neto, que opta por uma construção visual que nos remete aos meneandros da angustia. A palavra meneandro é a fusão da palavra “meandro” com o nome do comediógrafo grego Menandro para expressar como os recursos da comedia de situação são utilizados para expressar uma condição trágica. A cenografia de Renato Theobaldo constituída de cubos de malha lembra o interior de um celebro humano, tendo ao fundo uma tela que faz referência ao lugar da memória, ou para revelar a guerra interna da personagem. A direção usa muito bem esta ambientação construindo a movimentação no palco como os caminhos de uma rede de neurônios em sua dança consciencial. O espetáculo é de fato uma coreografia que revela a música secreta da vida de um ser humano, como dizem alguns que semelhante a música das esferas que regem o universo, cada indivíduo vive pelo principio hermético da correspondência  a sua musica das esferas, e é isto que a direção revela. Lembrando um teórico do teatro contemporâneo, o diretor construiu um espetáculo que dança. Não a dança no sentido comum, mas a dança das esferas.

Maria Callas é fisicalizada em cena pela atriz e dançarina Christiane Torlone que através de ações físicas desenhadas com precisão colocam a platéia diante da personagem, e acontece então algo muito difícil de ser realizada no teatro, que é a condição trágica provocando a comedia, não porque foram utilizados os recursos histriônicos da atriz, mas porque o extremo da dor, da arrogância e das vicissitudes humanas provocam no observador o riso, não pelo ridículo e grotesco, mas pela necessidade de defender-se daquilo que é terrível e doloroso. O riso é uma defesa do publico. Através de sua partitura física e vocal a atriz coloca os espectadores diante do momento de queda de uma criatura divina, no momento em que ela é despida de sua condição sobrehumana e devolvida a humanidade sofrida de onde saíra, aquela que chegou a se considerar o centro do universo, que vendeu a sua alma a este propósito, que traiu o amor, encontra ao final a sua solidão. A atriz expõe a fragilidade daquela alma encarando a sua queda com uma fala: finito, acabou.

O espetáculo que tem a disciplina própria do teatro musical com o seu desenho preciso trouxe um elenco de atores-cantores que também “dançam” junto com a Cristiane Torloni este espetáculo idealizado por José Possi Neto: Julianne Daud, Paula Capovilla, Fred Silveira, Thiago Rodrigues, Jessé Scarpellini e Raquel Paulin  A direção musical do Maestro Fabio G. de Oliveira  também muito bem realizada possibilitou ao público um mergulho pequeno, mas instrutivo no mundo da ópera.

O público foi feito aluno daquela mulher magnífica que encantou o mundo do espetáculo  e também testemunhou o momento de seu ocaso, quando a sua condição física como cantora já havia deixado de existir e sobrava-lhe somente a sombra da deusa que tinha sido. A cidade de João pessoa pode ver este espetáculo e aproximar-se de Maria Callas graças a MaLu produções que teve a iniciativa de trazer-lo para cá.

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