Thursday, December 08, 2016

AXÉ: CANTO DE UM POVO DE UM LUGAR


Hoje, 8 de dezembro de 2016, vimos na abertura do 11º Fest Aruanda, festival de cinema que ocorre em João Pessoa, Paraíba, o filme: Axé, canto de um povo de um lugar, do diretor Chico Kertesz. A princípio pensávamos que seria só mais um filme sobre aspectos da música brasileira. Esta era a nossa expectativa diante de um material desconhecido.

O fato é que assistimos a a uma epifania de energia de uma brasilidade tão rica e tão diversa que nos autoriza a pensar que de fato Oswald de Andrade tinha razão quando falava da antropofagia como característica cultural do Brasil. Penso que o filme que assistimos é como um retrato de todo o Brasil, e não somente da música, mas da complexa sociedade brasileira divida em um apartheid cultural e econômico.

O filme ao traçar o caminho do axé desde os seus primórdios até os dias recentes, esquarteja os mecanismos da cultura e da indústria cultural, revelando como um povo em seu conjunto é fonte tanto de sua riqueza como de suas misérias, e como o poder da grana tanto constrói como destrói tudo que toca.

Vemos a grande capacidade de recuperação do povo brasileiro que não se entregará, que encontrará os meios alternativos de sobreviver, mesmo estando em um momento de fogo baixo de sua vitalidade criadora, talvez entorpecidos pelo poder da grana que retirou as bases daquilo que originalmente tinha um sentido comunitário.

Faz-se uma pergunta, que retorno tiveram as comunidades e a cultura negra? Apenas a sanha de lucro foi impulsionando a criatividade? Vê-se um momento emblemático quando o axé cria os seus cordões e os seus foliões das classes médias ricas empurrando o povo originário para as pipocas da margem.

Um documentário com uma linha narrativa muito bem construída, num jogo de vai e vem, uma costura que apresenta ao mesmo tempo uma história cultural e também uma discussão sobre as implicações da indústria cultural. O filme mostra que não é possível compreender o axé como um movimento organizado e planejado, mas que uma vez começado a mover-se era necessário ter-se percebido que havia um valor maior a defender que era a própria essência; vemos com muita clareza como foi fácil vender a alma ao diabo. E percebemos claramente o funcionamento da mão perversa do capitalismo a tudo deformando para obter o lucro imediatado, vemos e aprendemos como funciona a cadeia de produção da indústria cultural e também de lambuja, a onipotente presença do grande irmão, na figura da rede globo, controlando a cultura brasileira que pode ser colocada nos altares da fama.

O filme demonstra com acuidade como os músicos, cantores, compositores e produtores locais estão presos numa cadeia de produção que vai desde o estúdio de gravação, das rádios à televisão;
a presença da mídia conservadora das grandes famílias, que dão espaço à manifestação artística do axé depois dela ter-se tornado um bom negócio para os empresários.

O filme é um sinal de esperança, neste tempo tenebroso de golpe contra a democracia e de instituições falidas dos podres poderes da justiça, do executivo e do legislativo.

O filme mostra-nos algo que é o antídoto para toda esta perversidade das classes ricas que hoje destroem a democracia brasileira: “forte é o povo”, como já disse um político paraibano. O filme nos diz isso, ao mostrar a fonte de onde surgiu o axé e de seu desenvolvimento, forte é o povo brasileiro, por isso vejo este documentário como um holograma do Brasil, um pequeno pedaço da cultura brasileira através do qual é possível ver o todo. As falas de alguns dos personagens são falas que gostaríamos de dizer a plena voz, como o momento em que os aplausos irrompem no meio da projeção para concordar com o fato de que, apesar de qualquer força de manipulação, o povo tem a força para resistir e vencer, mesmo que na sua comunidade, e então, acho que o filme mostra a fonte da resistência contra os perversos fascistas que tentam destruir a democracia brasileira: a alegria é a nossa prova dos nove, iremos vencê-los porque temos a energia criativa para isso.

Outra coisa muito importante, o axé não é um estilo, um tipo, mas um modo de pensar e de encarar a vida, quase uma filosofia, um assumir-se em sua herança negra e construir-se como pessoa.


Serve também a lição de que quem negocia com os donos da maldade termina se contaminando com ela. Fica a esperança, é um filme necessário a este momento de luta pela brasilidade quando tantos desejam serem estrangeiros em sua própria terra. O filme é uma chamada para o chão do Brasil. E viva a Bahia de todos os santos.

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