Friday, November 25, 2016

O SONHO DE MANFREDO

Um dia desses o amigo Manfredo Caldas me ligou, me confessou que havia lutado para conseguir o meu telefone, pois precisava me contar um sonho que havia tido, um sonho tão nítido que o impressionara profundamente. Ele não estava conseguindo guardá-lo consigo mesmo; precisava com urgência falar comigo.

O cenário, ou melhor, a locação era a casa da mãe de Manfredo no bairro do Miramar, estávamos na sala eu defronte a janela voltado para dentro da casa e Manfredo estava diante de mim vendo toda a paisagem por trás, no caso o jardim de sua mãe com os ipês floridos. E eu dizia para Manfredo que estava muito preocupado, pois Jurandir Moura não estava deixando-me rodar o meu filme, e Manfredo contemporizava dizendo-me que não, que Jurandir não faria isso. Então Manfredo vê que Jurandir Moura estava vindo em direção à casa e me diz, não se preocupe Everaldo pois Jurandir está vindo para cá. O sonho era intenso e Manfredo sentia os aromas agradáveis da casa de sua mãe. Ele me diz que ficou agoniado para me relatar este sonho.

Eu contei para Manfredo que Jurandir Moura foi quem publicou os meus primeiros poemas no correio das artes da qual era o editor. Lembro-me que o conheci e naquela conversa falamos que tinha escrito alguns poemas,ele me disse: “mande-me eles, se forem bons eu publico”. Depois de alguns meses vi que o Correio das Artes tinha trazido os meus poemas publicados. Convivi pouco com Jurandir Moura. Ele era uma referência cultural para a minha geração naqueles idos, mas o que me marcou foi a sua personalidade inquieta pelo pouco que pudemos conversar. Depois soube de sua trágica morte e foi como se algo tivesse acontecido comigo.

Quando Manfredo me contou de seu sonho e de minha preocupação com o fato de Jurandir não estar deixando-me rodar o meu filme, lembrei-me da grande personagem que morava a poucos metros de minha casa no Bairro dos Expedicionários em João Pessoa. Jurandir estava na minha memória, pelo editor do correio das artes e como o realizador do documentário a Festa do Rosário de pombal.

Os sonhos têm este poder de nos reconectar com as pessoas e suas forças criativas, e Manfredo que é um dos meus mestres, que reverencio sempre que posso e tenho a oportunidade de falar de minha formação cinematográfica. O sonho de Manfredo fala de minha inquietação pelo cinema, pela poesia, e é lindo que neste cenário amoroso da casa de sua mãe venha o próprio Jurandir para me dizer que o caminho está livre, que eu posso fazer os filmes. Também fiquei encantado com a agonia de Manfredo para me contar de seu sonho. Ao telefone, ele me fazia pleno de emoções, enfatizando os detalhes da casa de sua mãe, tão vívida narração que também senti-me abalado e acarinhado por ela. Manfredo enfatizava: “Jurandir mandou te dizer que você deve fazer os seus filmes”.

Manfredo transportou-me de forma tão detalhada para dentro de seu sonho que tive a sensação de também tê-lo sonhado. Grande amigo e referência de quem ganhei de presente este sonho. E faço também em mim a recuperação de meus sonhos que já estavam sendo tragados por esta burocracia que metemos por vezes na vida.


É necessário voltar-se para a janela e ver o jardim da mãe de Manfredo e como ele enxergar a alegria e as possibilidades que sempre se descortinam diante de nós. Não dá para ficar sempre com o olhar voltado para a parede da sala. É preciso voltar o olhar para o jardim, tão florido, tão cheiroso, e ver que Jurandir está vindo com a sua inquietude para dizer que podemos rodar o filme, gozar a vida. Este sonho de Manfredo fez-me acordar. E agora entendo a sua angustia em obter o meu telefone para me comunicar a sua visão. mas gostaria também de compartilhar com todos este poderoso sonho e dizer que quando estiverem se sentindo bloqueados, ou qualquer coisa assim, lembre-se de que estamos de costas para a janela e que Manfredo vai te lembrar que você deve se voltar e contemplar o jardim, e ver que a permissão para você ser feliz depende de voltar-se e ver o que ha de bom e belo no mundo, que as pessoas que você admira estarão contigo te apoiando no teu coração. Jurandir foi a primeira pessoa que acreditou em mim, e voltou para dizer que continua acreditando, que devo continuar a fazer filmes e arte.

No comments: