Um
dia desses o amigo Manfredo Caldas me ligou, me confessou que havia
lutado para conseguir o meu telefone, pois precisava me contar um
sonho que havia tido, um sonho tão nítido que o impressionara
profundamente. Ele não estava conseguindo guardá-lo consigo mesmo;
precisava com urgência falar comigo.
O
cenário, ou melhor, a locação era a casa da mãe de Manfredo no
bairro do Miramar, estávamos na sala eu defronte a janela voltado
para dentro da casa e Manfredo estava diante de mim vendo toda a
paisagem por trás, no caso o jardim de sua mãe com os ipês
floridos. E eu dizia para Manfredo que estava muito preocupado, pois
Jurandir Moura não estava deixando-me rodar o meu filme, e Manfredo
contemporizava dizendo-me que não, que Jurandir não faria isso.
Então Manfredo vê que Jurandir Moura estava vindo em direção à
casa e me diz, não se preocupe Everaldo pois Jurandir está vindo
para cá. O sonho era intenso e Manfredo sentia os aromas agradáveis
da casa de sua mãe. Ele me diz que ficou agoniado para me relatar
este sonho.
Eu
contei para Manfredo que Jurandir Moura foi quem publicou os meus
primeiros poemas no correio das artes da qual era o editor. Lembro-me
que o conheci e naquela conversa falamos que tinha escrito alguns
poemas,ele me disse: “mande-me eles, se forem bons eu publico”.
Depois de alguns meses vi que o Correio das Artes tinha trazido os
meus poemas publicados. Convivi pouco com Jurandir Moura. Ele era uma
referência cultural para a minha geração naqueles idos, mas o que
me marcou foi a sua personalidade inquieta pelo pouco que pudemos
conversar. Depois soube de sua trágica morte e foi como se algo
tivesse acontecido comigo.
Quando
Manfredo me contou de seu sonho e de minha preocupação com o fato
de Jurandir não estar deixando-me rodar o meu filme, lembrei-me da
grande personagem que morava a poucos metros de minha casa no Bairro
dos Expedicionários em João Pessoa. Jurandir estava na minha
memória, pelo editor do correio das artes e como o realizador do
documentário a Festa do Rosário de pombal.
Os
sonhos têm este poder de nos reconectar com as pessoas e suas forças
criativas, e Manfredo que é um dos meus mestres, que reverencio
sempre que posso e tenho a oportunidade de falar de minha formação
cinematográfica. O sonho de Manfredo fala de minha inquietação
pelo cinema, pela poesia, e é lindo que neste cenário amoroso da
casa de sua mãe venha o próprio Jurandir para me dizer que o
caminho está livre, que eu posso fazer os filmes. Também fiquei
encantado com a agonia de Manfredo para me contar de seu sonho. Ao
telefone, ele me fazia pleno de emoções, enfatizando os detalhes da
casa de sua mãe, tão vívida narração que também senti-me
abalado e acarinhado por ela. Manfredo enfatizava: “Jurandir mandou
te dizer que você deve fazer os seus filmes”.
Manfredo
transportou-me de forma tão detalhada para dentro de seu sonho que
tive a sensação de também tê-lo sonhado. Grande amigo e
referência de quem ganhei de presente este sonho. E faço também em
mim a recuperação de meus sonhos que já estavam sendo tragados por
esta burocracia que metemos por vezes na vida.
É
necessário voltar-se para a janela e ver o jardim da mãe de
Manfredo e como ele enxergar a alegria e as possibilidades que sempre
se descortinam diante de nós. Não dá para ficar sempre com o olhar
voltado para a parede da sala. É preciso voltar o olhar para o
jardim, tão florido, tão cheiroso, e ver que Jurandir está vindo
com a sua inquietude para dizer que podemos rodar o filme, gozar a
vida. Este sonho de Manfredo fez-me acordar. E agora entendo a sua
angustia em obter o meu telefone para me comunicar a sua visão. mas
gostaria também de compartilhar com todos este poderoso sonho e
dizer que quando estiverem se sentindo bloqueados, ou qualquer coisa
assim, lembre-se de que estamos de costas para a janela e que
Manfredo vai te lembrar que você deve se voltar e contemplar o
jardim, e ver que a permissão para você ser feliz depende de
voltar-se e ver o que ha de bom e belo no mundo, que as pessoas que
você admira estarão contigo te apoiando no teu coração. Jurandir
foi a primeira pessoa que acreditou em mim, e voltou para dizer que
continua acreditando, que devo continuar a fazer filmes e arte.
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