Tuesday, September 16, 2014

PODE SER QUE SEJA SÓ O LEITEIRO LÁ FORA

Recebemos o espetáculo do GTP, Pode ser  que seja só o leiteiro lá fora, para uma agenda de apresentações e oficinas entre João Pessoa e Areia, entre os dias 23 e 29 de julho de 2013. Pode ser que seja só o leiteiro lá fora, representa um dos grandes momentos da dramaturgia brasileira contemporânea. É uma obra do dramaturgo Caio Fernando Abreu, que conseguiu equacionar as angústias da juventude brasileira. È um texto do inicio dos anos 70, que sofreu os revezes da perseguição da censura e demonstra ainda hoje toda a sua força dramática.

Interessante e oportuno que o GTP tenha escolhido Pode ser que seja só o leiteiro lá fora para coadunar com o momento impar que foi este acordar da juventude brasileira com as grandes manifestações de rua que contaminaram o país. Podemos dizer que São Paulo acordou o Brasil e o Grupo de Teatro da Poli, meses antes, atinou para texto, antes que os acontecimentos se precipitassem naquilo que foi um dos grandes momentos do despertar da consciência brasileira. A juventude paulista acordou o Brasil e provocou uma das maiores manifestações populares de insatisfação com a corrupção política.

, O público poderia até  parafrasear o título do espetáculo e dizer:  pode ser que seja somente o GTP no palco, mas foi muito mais. Estes atores e atrizes das áreas de ciências técnicas conseguiram mostrar a força do teatro universitário e longe das preocupações dos holofotes da mídia e do sucesso colocaram o drama e a agonia da juventude neste momento atual da sociedade.  Eles trouxeram este fim de encruzilhada que o texto de Caio Fernando Abreu tão bem evoca num contundente libelo contra o conformismo -  o mundo parece que vai acabar, mas tudo depende somente de um pequeno passo a mais.

A diretora Néia Barbosa disse que a escolha do texto foi feita pelo próprio grupo. Eles estiveram em João pessoa numa ação promovida pela Universidade de São Paulo e a UFPB.  A USP ciente da importância de seu grupo, fundado há 45 anos, enviou uma representação institucional, a professora Beatriz Jordão, dando ainda maior peso ao modo como aquela universidade encara o seu teatro universitário.
 O grupo fez apresentou-se no Teatro Lima Penante do Núcleo de Teatro Universitário da UFPB; no auditório do Casarão 34 da Fundação de Cultura da Cidade de João Pessoa;  no Festival de Artes de Areia, no histórico Teatro Minerva, para uma plateia lotada.

O grupo também realizou oficinas para atores em João Pessoa no palco do Teatro Lima Penante. Um dos momentos belos da passagem do grupo foi a sua visita à Escola Piollin, onde participaram de uma tarde de atividades com circo e treinamento com os alunos daquela escola. Alguns alunos da Escola Piollin também participaram das oficinas promovidas pelo GTP.

O espetáculo Pode ser  que seja só o leiteiro lá fora, conta a estória de um grupo de jovens que se encontram numa noite num casarão abandonado. Eles resistem a esta noite na espera de um amanhecer, que ao final revela-se sombrio. A fragmentação das vidas frente aos desafios de uma década como foi o inicio dos anos 80 com o despontar da  aids, trazia inumeros outros desafios para para a juventude, os dramas da sexualidade e daquele clima herdado dos anos 60 com toda a sua promessa de liberdade estavam agora sendo postos em confronto.

Na cenografia vemos expressa esta dureza nos restos e lixos da cidade, toda composta por materiais coletados nas ruas, trazendo para perto e também como personagem desta encruzilhada, como se questionasse o fundamento de humanidade numa sociedade que se canibaliza a si própria em rituais perversos de pão e circo e, onde o individuo é somente mais uma peça no tabuleiro.

 No elenco: as atuações brilhantes de Sebastian kapelus, um talento para a arte dramática brasileira, igualmente a bela Isa Takata. As atuações excelentes de Igor Gold Stein, Tiê Higashi, Fábio Luz, Carlos Viegas, Miguel Giansante e Brunno Silloto.

O grupo concebeu o cenário e a luz. A sonoplastia foi desenhada por Kauan Medeiros e a operação de luz e som foram de Néia Barbosa e Viviane Simões. É preciso também ressaltar a primorosa direção de Néia Barbosa, que conseguiu fazer de alunos da Politécnica atores tão sensíveis e bons como os da escola de artes cênicas.

O grupo de Teatro da  Poli vem mostrar a importância do teatro universitário. A vice- diretora de extensão que acompanhou o grupo, Beatriz Jordão, disse da importância de humanização através do teatro em setores apenas dominados por uma visão tecnicista da alta tecnologia. Neste sentido, vê-se o bom exemplo que a USP dá a outras universidades que encarando a formação universitária de forma holística, preparando profissionais capazes também serem indivíduos sensíveis  e aptos a contribuírem com a qualidade afetiva do ser humano.  O teatro universitário é uma das melhores ferramentas para a consecução deste fim, pois tanto contribui com quem participa, como também com quem convive com a atividade do grupo teatral em seu  meio.

 O GTP foi criado em 1945 e é mantido pelo  Grêmio da Escola politécnica. O GTP é um grupo de  atores amadores, futuros engenheiros e pesquisadores das áreas tecnológicas mais avançadas do pais, mas vislumbra-se entre eles grandes talentos. Foi desta escola e deste grupo que saíram atores como Carlos Zara.

Para que se tenha uma ideia do nível de organização do GTP, segue abaixo texto de Néia Barbosa e Agatha Mourão da página do GTP no Facebook:

“O GTP – Grupo de Teatro da Poli é um grupo de teatro não profissional que existe desde a década de 40, na Escola Politécnica da USP e pertence ao Departamento de Cultura do Grêmio Politécnico. O Grêmio atualmente é o sustentáculo financeiro do GTP, pois propicia a remuneração necessária aos profissionais da área de artes cênicas que faz parte do Grupo: uma coordenadora e quatro diretores de núcleo. Em 2011 o GTP mudou sua coordenação, depois de sete anos consecutivos.”
“O Grupo de Teatro da Poli entrelaça e aborda várias formas de teatro e montagens, buscando sempre uma humanização e comunicação com o mundo que nos cerca. Anualmente, esses projetos de pesquisa são alterados, criando ao longo dos anos, uma visão mais ampla do teatro. O GTP e seus diferentes núcleos estão ancorados por profissionais e pessoas com respeitada experiência no fazer teatral. Hoje o GTP é coordenado por Néia Barbosa e possui 04 diferentes núcleos: Amarelo, Azul, Vermelho e Verde. Essa estrutura é formada por núcleos interdependentes e separada, por blocos de pesquisas diferentes.”
“O Núcleo Amarelo é dirigido por Fábio Azevedo. É o núcleo iniciante, formado por pessoas que não tem nenhum conhecimento teatral. Seus objetivos são introduzir técnicas básicas teatrais com ênfase na capacitação do ator e promover através do uso de jogos teatrais um ambiente que proporcione relaxamento, descontração e socialização dos alunos participantes. O Programa de Trabalho foca na conscientização corpórea, vocal e cênica: o corpo como ferramenta de trabalho, como utilizar a voz no teatro, como funcionar em uma peça teatral. Usará de técnicas básicas de decupagem e análise de textos. Como desmembrar o texto teatral e descobrir seus pormenores. A gênese do personagem.”
“O Núcleo Azul e o Vermelho são intermediários, formados por indivíduos que possuem algum conhecimento teatral e cênico, através do próprio GTP ou de um conhecimento anterior, na vida pregressa do participante.”
“O Núcleo Azul – dirigido por Tales Penteado, vai trabalhar a disciplina de Comédia Política. Objetivam discutir e utilizar o teatro como forma de orientação e apoio na formação de um ser criador e criativo, que age, interage, questiona e transforma o mundo à sua volta. O Programa de trabalho focará desenvolver trabalhos através de jogos teatrais, expressão corporal e leitura, estimulando a capacidade mental, social e artística. Desenvolver atividades de integração de grupo. Estimular, através de jogos, a conscientização corporal e vocal. Produzir cenas, esquetes, a partir de temas, sinopses, histórias ou estímulos. Objetivos, conflito, espaço, corpo. Quando? Onde? Por quê? Conceitos básicos de interpretação, para depois poder apresentar pra eles algumas obras, alguns autores e juntos escolhermos 'onde' nos aprofundar.”
“O Núcleo Vermelho – dirigido por George Gottheiner – vai se debruçar sobre a disciplina Drama. Esse núcleo tem como objetivo aprimorar a relação do aluno/ator com o palco, abrangendo todas as unidades requeridas, o andar, o falar, a escuta, a relação com o outro e o respeito para com a área de trabalho. Sensibilizar o ator para que possa desenvolver seu lado criativo quebrando sua racionalidade, a hierarquia entre corpo e mente, para que ambas as partes possam trabalhar em conjunto. Através de jogos e exercícios tentar aproximar o aluno/ator ao mundo teatral, ao lúdico, saindo do seu meio comum, ultrapassando seus limites, de uma forma ao mesmo tempo prazerosa e criativa. Trabalhar a intuição, a prontidão, o trabalho em grupo e a entrega, possibilitando ao aluno/ator uma melhor performance tanto no trabalho teatral, como fora do palco, na universidade, no trabalho e na vida pessoal. Por fim, colocá-lo em contato não só com a dramaturgia teatral, mas com diversas áreas do mundo artístico, ampliando sua visão de mundo e seus questionamentos.”
“O Núcleo Verde é formado por participantes do GTP que querem exercer mais o fazer teatral. São pessoas dos outros diferentes núcleos, estagiários, diretores, atores profissionais, que querem se aprofundar e conhecer mais sobre teatro e se exercitarem para tal. A proposta da direção de núcleo é que se trabalhe o simbolismo teatral em seus vários nuances. Desde a construção da cena e da personagem até a compreensão de texto. O exercício das artes cênicas se faz acima de tudo através dos pés do ator no palco. Então, o Núcleo Verde pretende apresentar duas peças para 2011. Estas peças estão sendo estudadas e escolhidas com o núcleo.”
“No final do ano haverá uma montagem de cada núcleo, trabalhado ao longo do ano, cujo texto será escolhido de acordo com a linha de estudo, a opção e decisão dos respectivos diretores e os atores do Núcleo.”

No comments: