“Bulir ou não bulir” foi
um espetáculo montado por Cely de Freitas sobre Bullying, um tema atual, presente nas escolas, nos ambientes de
convivência, nas praças, nas praias, nos parques e mesmo dentro do lar. No entanto,
dentro do ambiente familiar, este é um tema secreto porque a maioria das
pessoas tenta negar a existência deste mal costume, este maltrato infligido ao
mais frágil como se fosse algo natural, algo que acontece sem remorsos, algo que pode ser tolerado pela soberba, algo que de uma certa forma pertence ao modo de vida das pessoas emocionalmente adoecidas .
Então quando tratamos desse
tema – Bullying - geralmente procuramos nos referir aos casos extremos quando
acontecem tragédias como as que ocorreram nas escolas brasileiras e norte-americanas,
quando estudantes invadem a sala de aula armados, matam seus colegas,
professores e depois confessam, que tudo isso começou com o fato de serem o maltratados
no meio estudantil.
O espetáculo da
Companhia Encena traz esse tema para palco de forma brilhante, porque dirige-se
exatamente ao público que pratica o Bullying e que recebe a mensagem de que é
vítima e algoz ao mesmo tempo. Falar para crianças e adolescentes é algo muito
difícil, porque é um outro universo, um outro mundo e as pessoas costumam se
dirigir aos jovens como donos da verdade aplicando uma lição. Se esta
estratégia já não funcionava há anos atrás sem o grau de liberdade que se tem
hoje, imagine no momento atual onde as
coisas ficaram muito mais difíceis com adolescentes, que são incentivados a
terem uma liberdade muito maior: liberdade sexual; liberdade de pensamento; liberdade de ação.
Esta liberdade juvenil se tornou uma liberalidade exagerada,
de tal sorte que a independência do indivíduo já surge bem antes dela se tornar adulta e dona de seu próprio nariz assumindo
o bônus e ônus de suas ações. Há poucas décadas atrás a vida independente começava
aos 18 anos e ainda assim estava sob os olhares do pai e da mãe. Hoje uma
criança, praticamente a partir de 5 anos de idade ou menos, já começa a ter atitudes
que afrontam a autoridade dos pais. Os pais por sua vez, herdeiros do sonho
dourado da era de aquários, tem dificuldade em distinguir o exercício legitimo
da autoridade com os excessos do autoritarismo.
Nos dias atuais, temos leis que combatem esse excesso
violento da autoridade parental, que protegem a individualidade da criança e do
adolescente, que proíbe aos pais de tomarem atitudes mais severas; lembrando
que algumas atitudes severas precisam ser tomadas pelos pais antes que a
sociedade precise intervir. O fato é que, por outro lado, também os pais
abusam desse poder pátrio sobre os filhos com violência.
É preciso reconhecer
que é algo difícil conciliar esses dois universos; o universo de uma educação
para a liberdade e os estímulos para uma vida hedonista.
O Bullying começa em
casa onde a lei do mais forte impera e
se estende até a escola onde os mais fracos são os bobos da existência humana. Nas escolas os alunos dos primeiros anos
sofrem com os alunos dos anos seguintes; os das séries doensino fundamental sofrem com os do ensino médio; os
do ensino médio do terceiro ano se consideram muito mais potentes que os do
primeiro. E na universidade já se tornou a tradição o bullying
institucionalizado da calourada.
O interessante no
espetáculo Celly de Freitas é que aborda esse tema, se dirigindo aos estudantes
e aos adolescentes utilizando a linguagem da música Techno. O espetáculo tem o
formato de um clipe musical. Celly faz o
papel de um DJ que rege o espetáculo que é dançado num ritmo alucinante atraindo
a sua jovem plateia. É um artifício brilhante, pois através da música executada no palco as cenas fluem
tocando nas diversas questões que afligem a vida do adolescente, sem moralismo, sem
chatice e sem complicações.
No espetáculo vemos muitos dos problemas que ocorrem na
escola: as dificuldades do menino inteligente e do menino que tem problemas de
aprendizagem; dos que são homossexuais; do que é negro, branco, índio ou asiático. Todas estas situações se sucedem
dentro do espetáculo costuradas por essa musicalidade. É um espetáculo de
teatro com características multimídia, muito fácil de adaptar ao pátio da
escola, nas condições precárias que os estabelecimentos educacionais, ricos ou
pobres, oferecem ao teatro.
Vi Bulir ou não Bulir no Teatro Lima Penante, no encerramento da 21ª
Mostra de Teatro do Estudante com a platéia lotada de jovens. No elenco: atrizes
experientes como Rebecca Menezes, excelente em cena; Taís Araújo muito bonita e
segura em sua performance. Os dois atores Glaydson Gonçalves, Joseph Rodrigues estão maravilhosos. Criação de figurinos Tainá
Macedo, confecção Maria José Rodrigues, máscaras Tina Medeiros Salles e
fotografias de Marcus Mendes.
O espetáculo de Celly é uma das coisas boas que acontecem na
cidade e mostra também como o teatro da cidade de João Pessoa começa a ser
feito de forma melhor com alunos que vêm do curso de Bacharelado em Teatro da
UFPB. A maioria dos atores são do curso
de teatro.
O teatro tem o poder de ir em todos os lugares, levantar a discussão e mobilizar as pessoas. O
espetáculo de Celly me lembra a fase de Augusto Boal, que teatro não faz a
revolução, mas é um ensaio para a revolução.Parafraseando: o teatro não faz a mudança, mas provoca a
mudança desencadeando o debate.
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