Tuesday, August 26, 2014

A MARATONA ESTÉTICA DO ATOR

Para começar a nossa aproximação com uma  personagem é preciso imaginar-se no lugar dela nas circunstancias dadas pelo texto.

Em um primeiro momento você imagina usando o seu corpo. Será fácil perceber que construímos com o nosso corpo uma caricatura da personagem, isto é, um tipo, assim são as personagens genéricas que construímos em muitos jogos dramáticos:  um bêbado, ou um louco, uma   prostituta, ou   uma   menina   ingênua.

Observem   que   os   tipos   podem   ser   descritos   pela  sua ação, condição física, adjetivos e pertencem a  grupos marcados pela tradição.

Agora, suponha que alguém pedisse que mostrassem como é a personagem Segismundo, de A Vida é Sonho, de Calderon de La Barca.

 - Quem? Você pergunta.

 - Segismundo, filho do Rei Basílio da Polônia e que vive preso como uma fera deste pequeno numa torre.

-  Assim é muito difícil.

-  Então  mostrem a Julieta Capuleto de Romeu e Julieta de Shakespeare. Ou o Senhor Jordain de O Burguês Fidalgo de Molière.

Nestes  casos seremos  tentados  a  reduzir  estas  criaturas complexas   a   um   tipo;   é  provável   que   muitos   atores  tomem este caminho, mas essas personagens são muito mais complexas e exigirão um grande trabalho na sua  construção.

Na nossa vida  teatral  nós   estaremos  em  contato com muitas personagens, cada uma oferecendo muitos níveis de dificuldade. Aqui neste texto poderemos entender a importância da formação teatral. Gosto muito da imagem proposta por Robert Pignarre em seu livro de História do teatro, onde ele faz um paralelo entre um corredor de maratona com u ator. Todos podem correr, mas somente um maratonista preparado pode correr numa olimpíada, assim também todos podem fazer teatro, mas somente atores   preparados   terão   condições   de   enfrentar determinados papéis.

Personagem e tipo são dois conceitos importantes para a nossa atividade teatral. A palavra personagem do latim “persona”, segundo o Dicionário Escolar Latino Português, significa: no sentido próprio, Máscara de teatro, daí por extensão,   papel   atribuído   a   esta   máscara;   no   sentido figurado,   papel,   cargo,função,   caráter,   individualidade, personalidade, personagem, ator,pessoa gramatical.

A noção de personagem no teatro grego, conforme ensina Patrice Pavis em Dicionário de Teatro, está associada à palavra   persona(máscara)   e   significa   o   papel  desempenhado pelo ator, que é o executante e não a sua encarnação.

A matéria constituinte de uma personagem é a sua ação.

Diz Pavis que: “Todo personagem teatral realiza uma ação( mesmo os personagens   de   Becket   que   não   fazem   nada   visível); Inversamente,   toda   ação   necessita,   para   ser   levada   a cena,   protagonistas,   sejam   estes   humanos   ou   simples actantes”.(PAVIS,1980,P.354)

As personagens posssuem graus de realidade, variando do geral para o particular(PAVIS, 1980,P.357).
Do mais geral para o particular: Actantes, Arquétipo, Alegoria, Estereótipo, Tipos, Papel, Ator, Caráter, Indivíduo.

Actante - São personagens que existem enquanto ação física pura.

Arquétipo  - São personagens míticos, ou semelhantes a estes.

Alegoria - São entidades gerais, não antropomórficas e não figurativas.

Estereótipo - São entidades figurativas antropomórficas gerais.

Tipos   -  São   personagens     que   representam   um   grupo restrito   já   conhecido   pelo   público   e   consagrados   pela tradição.

Papel   -   São   personagens   cujo   comportamento   está vinculado aos papéis sociais.

Ator - São as personagens individualizadas, caracterizadas por sua ação concreta. É o individuo que se destaca da massa, mas mantém todas as características dela.

Caráter - São personagens individualizadas cujos traços distintivos são levemente estilizados e exagerados para obter-se o efeito desejado.

Individuo - É uma personagem complexa e completa.

Uma   personagem   é   algo   vivo,     mutável,   que   sofre   as influências de seu ambiente. Um tipo representa algo fixo que   não   possui   variações   complexas   em   sua personalidade.

Como tarefa obrigatória é preciso ler os verbetes do Dicionário de Teatro de Patrice Pavis. Ter este   livro   na   cabeceira   é   uma   obrigação   de   todo estudante sério de teatro.

È preciso   fazer   a   leitura   do   texto   que estamos montando e identificar os graus de realidade de suas personagens.

Ainda que muitas pessoas confundam esta terminologia que apresentamos será útil estudá-la. No dia a dia da vida teatral, não ficaremos classificando se a personagem é isto ou aquilo.

 As dificuldades  virão naturalmente fazendo-se  necessário o enfrentamento da construção de uma personagem.

As personagens complexas não podem ser resolvidas de forma simplória ou correrão o risco de serem reduzidas para graus mais gerais. Sempre que um ator desiste de seu trabalho de pesquisa o que ele faz é reduzir as possibilidades de sua personagem, não há como fugir desta regra. Assim será fácil perceber se um ator fez o seu trabalho de maneira dedicada ou não. Representar o Hamlet, por exemplo, é algo   muito   difícil,   que   exigirá   um   esforço   maior. Representá-lo     às   pressas   irá   reduzir   o   Hamlet.   Vocês podem   ver   muitos   exemplos   disso   ao   longo   de   suas carreiras, tanto no próprio trabalho como no de outros colegas.   Às   vezes   as   condições   de   produção   e   as dificuldades da vida cotidiana nos empurram para fazer as coisas da maneira mais rápida, o que termina por produzir coisas muito desagradáveis.


Há atualmente uma grande mania de reler os clássicos de modo simplório. Isto revela uma   incapacidade   de   montá-los,   de   enfrentar   as dificuldades que eles propõem. Os atores  como atletas afetivos devem também estar preparados para vencerem a sua maratona estética.

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