Aprendi desde cedo que
a arte do teatro está ligada a arte da memória. Muitos consideram os artistas
de teatro como aqueles repositórios desta antiga habilidade. Estamos em um
mundo onde cada vez mais se abre mão do próprio cérebro para se usar equipamentos
que guardam as nossas lembranças. Estamos ficando dependentes de coisas
externas. Esta dependência é impossível na arte do teatro.
Os atores e as atrizes
precisam continuar preservando esta habilidade fundamental, como aquelas
personagens do filme Fahrenheit 451, de François Truffault, onde toda a cultura
humana contida nos livros é conservada pela memória de alguns guerreiros. Também
os atores e atrizes são os guerreiros da memória.
Como usar a
memorização, hoje utilizada de forma precária pela nossa civilização? Nós
estamos nos desacostumando a memorizar os textos teatrais, e neste imenso
vazio, cortam-se os textos dramáticos porque os atores e as atrizes são
incapazes de memoriza-los. Vamos fazer o esforço para retomar esta nossa antiga
arte e nos conectarmos novamente aos atores e atrizes de todos os tempos.
Como é que se memoriza
um texto teatral?
Antes de começar a memorizar as falas, deve-se
conhecer o texto dramático, compreende-lo, saber contar com suas próprias
palavras a estória do mesmo. Deve-se conhecer todo o texto e não somente as
falas de sua personagem.
Vamos utilizar um
recurso simples, que será subdividir o texto em pequenos blocos de sentido: pode
ser uma frase, ou duas, cada qual determina o que é melhor. Você vai memorizar
os blocos de sentido em sequencia. Note que não separamos as frases apenas por
quantidade, mas por blocos que façam um sentido para nós, algo que se possa
juntar a uma imagem significativa. Esta é uma tarefa pessoal. Cada ator e atriz
irá descobrir o que melhor funciona para si mesmo.
Primeiro passo: Leia um bloco de sentido e
compreenda o seu significado.
Segundo passo: Repita este bloco de sentido
com suas próprias palavras, É importante repeti-lo com suas palavras.
Terceiro passo: Leia em
voz alta novamente o texto do bloco que está memorizando, e o repita do jeito
que está escrito.
É necessário criar
ganchos para a fala usando a imaginação e visualizando algo que tenha alguma
relação que excite os nossos sentidos ou emoção. Esta visualização, que
funciona como um subtexto, não precisa estar diretamente ligado ao texto, mas é
algo que excita a nossa imaginação com relação ao texto, inclusive pode até ser
algo ridículo; é um segredo do ator, algo que lhe serve de gancho e não
necessariamente algo sério. Outro aspecto
importante é associar movimentos da personagem a esta fala. Os gestos funcionam
potencializando os ganchos que estamos memorizando.
Não se preocupe, a plateia jamais irá saber como você criou o gancho de memória
para aquela fala.
Quarto passo: Repita de
memória tudo o que já foi memorizado, Incluindo os blocos anteriores se
houverem.
Quinto passo: Em
seguida pegue o próximo bloco de sentido, que serão mais duas ou três frases.
O processo será repetido
sempre acrescentando mais um bloco de sentido. Este processo pressupõe que
façamos associações entre as imagens chaves que vamos encontrando em cada bloco
de sentido, sabendo que o mais importante é ir obtendo uma corrente que interligue todos os blocos
completando todo o texto.
O texto deve ser lido
todos os dias. O ator e a atriz devem repassar as suas falas diariamente. Será
isto que lhe garantirá o sucesso em seu trabalho. Ao chegar aos ensaios, tão
logo se faça o aquecimento físico e vocal, deve-se repassar o próprio texto rapidamente
para consolidar o trabalho de memorização.
Na primeira fase de memorização
o texto ficará duro como uma pedra bruta que precisará ser burilada. Durante o
processo de ensaios é mais fácil aperfeiçoar o que se tem do que algo que não
se apresenta no palco. Atores e atrizes que não aprendem os seus textos
prejudicam muito a tarefa do diretor do espetáculo.
Numa fase intermediária
o texto memorizado já pode ser jogado de diversas formas, com alterações de
ritmo, de entonação e várias nuances que conferem ao papel o brilhantismo de
sua execução. Da mesma forma que há uma partitura física, há também uma
partitura de memória associada às mesmas.
Numa fase avançada do
trabalho os atores se entregam completamente sem se preocuparem mais com o
texto, pois estão agora completamente focados e entregues ao jogo teatral em si
mesmo. Todos quantos vivenciam isto são unânimes em testemunhar o grande prazer
que está associado a este domínio sobre a memória.
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