Monday, August 25, 2014

MEMORIZAÇÃO PARA ATORES

Aprendi desde cedo que a arte do teatro está ligada a arte da memória. Muitos consideram os artistas de teatro como aqueles repositórios desta antiga habilidade. Estamos em um mundo onde cada vez mais se abre mão do próprio cérebro para se usar equipamentos que guardam as nossas lembranças. Estamos ficando dependentes de coisas externas. Esta dependência é impossível na arte do teatro.

Os atores e as atrizes precisam continuar preservando esta habilidade fundamental, como aquelas personagens do filme Fahrenheit 451, de François Truffault, onde toda a cultura humana contida nos livros é conservada pela memória de alguns guerreiros. Também os atores e atrizes são os guerreiros da memória.

Como usar a memorização, hoje utilizada de forma precária pela nossa civilização? Nós estamos nos desacostumando a memorizar os textos teatrais, e neste imenso vazio, cortam-se os textos dramáticos porque os atores e as atrizes são incapazes de memoriza-los. Vamos fazer o esforço para retomar esta nossa antiga arte e nos conectarmos novamente aos atores e atrizes de todos os tempos.

Como é que se memoriza um texto teatral?

 Antes de começar a memorizar as falas, deve-se conhecer o texto dramático, compreende-lo, saber contar com suas próprias palavras a estória do mesmo. Deve-se conhecer todo o texto e não somente as falas de sua personagem.

Vamos utilizar um recurso simples, que será subdividir o texto em pequenos blocos de sentido: pode ser uma frase, ou duas, cada qual determina o que é melhor. Você vai memorizar os blocos de sentido em sequencia. Note que não separamos as frases apenas por quantidade, mas por blocos que façam um sentido para nós, algo que se possa juntar a uma imagem significativa. Esta é uma tarefa pessoal. Cada ator e atriz irá descobrir o que melhor funciona para si mesmo.

 Primeiro passo: Leia um bloco de sentido e compreenda o seu significado.

 Segundo passo: Repita este bloco de sentido com suas próprias palavras, É importante repeti-lo com suas palavras.

Terceiro passo: Leia em voz alta novamente o texto do bloco que está memorizando, e o repita do jeito que está escrito.

É necessário criar ganchos para a fala usando a imaginação e visualizando algo que tenha alguma relação que excite os nossos sentidos ou emoção. Esta visualização, que funciona como um subtexto, não precisa estar diretamente ligado ao texto, mas é algo que excita a nossa imaginação com relação ao texto, inclusive pode até ser algo ridículo; é um segredo do ator, algo que lhe serve de gancho e não necessariamente algo sério.  Outro aspecto importante é associar movimentos da personagem a esta fala. Os gestos funcionam potencializando os ganchos  que estamos memorizando. Não se preocupe, a plateia jamais irá saber como você criou o gancho de memória para aquela fala.


Quarto passo: Repita de memória tudo o que já foi memorizado, Incluindo os blocos anteriores se houverem.

Quinto passo: Em seguida pegue o próximo bloco de sentido, que serão mais duas ou três frases.

O processo será repetido sempre acrescentando mais um bloco de sentido. Este processo pressupõe que façamos associações entre as imagens chaves que vamos encontrando em cada bloco de sentido, sabendo que o mais importante é ir obtendo uma  corrente que interligue todos os blocos completando todo o texto.

O texto deve ser lido todos os dias. O ator e a atriz devem repassar as suas falas diariamente. Será isto que lhe garantirá o sucesso em seu trabalho. Ao chegar aos ensaios, tão logo se faça o aquecimento físico e vocal, deve-se repassar o próprio texto rapidamente para consolidar o trabalho de memorização.

Na primeira fase de memorização o texto ficará duro como uma pedra bruta que precisará ser burilada. Durante o processo de ensaios é mais fácil aperfeiçoar o que se tem do que algo que não se apresenta no palco. Atores e atrizes que não aprendem os seus textos prejudicam muito a tarefa do diretor do espetáculo.

Numa fase intermediária o texto memorizado já pode ser jogado de diversas formas, com alterações de ritmo, de entonação e várias nuances que conferem ao papel o brilhantismo de sua execução. Da mesma forma que há uma partitura física, há também uma partitura de memória associada às mesmas.


Numa fase avançada do trabalho os atores se entregam completamente sem se preocuparem mais com o texto, pois estão agora completamente focados e entregues ao jogo teatral em si mesmo. Todos quantos vivenciam isto são unânimes em testemunhar o grande prazer que está associado a este domínio sobre a memória. 

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