O teatro é uma arte de convenções desde o principio definidor
de sua existência que é uma relação de cumplicidade entre atores e espectadores
acerca do que irá se passar no espaço cênico. Este lugar de possibilidades
imaginativas é uma das marcas da cultura humana em todos os tempos e tem adquirido formas adequadas a cada
momento da história da civilização.
A arte do espetáculo teatral é, portanto uma arte de
encontros de imaginações, através do palco; este espaço sagrado chama a
participação dos espectadores que dão sentido ao que ocorre.
O palco é este lugar
de encontro, funcionando como um espelho para o mundo da estória, pois os
espectadores são chamados por este reflexo para aquele mundo interior e fabular.
Este é um conceito da gramática transformacional
do espetáculo teatral tal como ensinou Jean Alter em sua sóciosemiotica do
teatro.
O espetáculo teatral é
repleto de possibilidades que dependem do modo como os elementos transformacionais, tais como se fossem como espelhos, refletem o mundo da estória de tal modo que os
espectadores a reconstruam com as suas imaginações.
O espetáculo Quincas, do grupo de Teatro Os Fodidários é um
bom exemplo do uso destes elementos transformacionais, tal como pedaços de um
grande espelho que vão refletindo aspectos e compondo um quadro geral da
trajetória de vida e morte de Quincas Berro d’água.
Nesta espetáculo o universo do romance de Jorge Amado, não
foi somente adaptado no sentido clássico que se dá a este termo. Ao contrário, o diretor optou por reconhecer a
complexidade do mundo original de Quincas Berro d’água. Jean Alter diz que o mundo da estória existe
com certa independência cabendo ao encenador
através dos recursos especulares da gramática transformacional, que são:
a reprodução, a diminuição, o exagero, a
distorção, ou reinvenção, reconstruir
para os espectadores aquele universo de modo a provocar a participação da
platéia com as suas construções mentais.
O diretor Daniel Porpino de modo inteligente manipula recursos
narrativos do teatro de acordo com a gramática transformacional descrita por
Jean Alter, proporcionando uma narrativa não linear da estória, mas que é
recomposta por todos os espectadores em suas mentes.
Estes recursos narrativos lembram o teatro épico brechtiano,
que foram usados no espetáculo, e manipulados com extrema agilidade, tanto do ponto de vista do arranjo
cenográfico, do uso dos elementos de cena e o trabalho dos atores.
A multiplicidade de
significações que cada elemento cênico adquire, inclusive o principal deles que
é água, que serve para tudo e tem tamanha carga
semântica que possibilita vários vieses de leitura. O palco é na verdade um mar de
representações, literalmente.
O espetáculo provoca deliberadamente os sentidos dos espectadores,a visão, a
audição, o olfato, o paladar e o tato. O olfato é acendido quando derramam
propositalmente aguardente na borda do palco. O paladar é trazido quando se faz
cair do teto uma galinha assada que é degustada pelos atores de forma grotesca
provocando, ou o asco ou água na boca dos espectadores.
Esta provocação dos
sentidos como um dos elementos especulares para o mundo da fábula onde vivia o Quincas Berro d’água, provoca na platéia um efeito
hipnótico sugando todos para dentro do
evento, um bom exemplo desse efeito, é
uma das cenas, na qual os quatro atores montam
um conjunto musical e tocam uma canção usando como instrumentos, um violão
sem cordas, um acordeom que não toca nada, uma flauta que não emite som e um chocalho mudo,
e no entanto a platéia se embala com a serenata escutando a música que existe somente no plano invisível do jogo imaginativo.
É um teatro épico carregado de contemporaneidade. O espetáculo questiona a liberdade, o direito de
ser feliz do modo que se é sem concessões a qualquer autoridade. É um
espetáculo anarquista pois não reconhece minimamente qualquer poder político a não ser aquele que pode ser estabelecida
pela comunidade de atores. Neste sentido, lembra o conceito de zona autônoma temporária(TAZ),
do filósofo Hakin Bey, que evoca o
sentido revolucionário das comunidades e dos indivíduos, que estabelecem as
suas próprias leis, como fizeram os Fodidários com este espetáculo que convida
os espectadores para compartilharem da vida e morte da personagem Quincas Berro
D’água.
O espetáculo tem a participação de atores brilhantes, que
atuam em consonância com este jogo
cênico. Eles cantam, dançam e se divertem muito em cena com uma
segurança tão plena do que fazem que os espectadores chegam a abstrair que
estão diante de uma representação, pois eles conseguem atrair a todos para o seu jogo para compartilharem de
suas energias. São eles: Thardely Lima,
genial, seguro de sua presença em cena; Dudha Moreira, absolutamente cativante
cantando e brincando o jogo cênico; Ana marinho, bela e com amplo domínio do
palco e Odécio Antonio, brilhante ator que completa este quarteto fantástico.
Estes atores fazem todas as personagens necessárias à estória de Quincas Berro
água.
A direção musical é maravilhosa. A iluminação de Fabiano
Diniz cria os climas necessários. Os figurinos também são impecáveis. A
produção do Grupo Os Fodidários mostra um extremo zelo com o público e
profissionalismo em todos os aspectos.
4 comments:
Só digo uma coisa: Thardelly entrando de calcinha.
A peça realmente é surpreendente!
Realmente é surpreendente!
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