O conceito de teatro é algo que está à mercê das muitas
experiências criativas deste novo século. Há quem diga que teatro é tudo aquilo
que é executado para uma platéia. Outros já haviam definido que teatro era uma estória necessariamente contada através
da ação de personagens interpretados por atores. Ortega y Gasset, em seu ensaio a Idéia do Teatro, lembra que este
vocábulo tomou direções diferentes ao longo da história. É significativo o fato
de haver um grupo de pesquisa na
Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas com o nome
de "Territórios e fronteiras".
Neste território difuso onde estão sendo inventadas novas maneiras
de lidar com a arte dos atores e o seu público, ocorrem alguns encontros misteriosos entre a poesia dramática
e a épica. Desde os tempos
antigos, tão distantes de nós como os deuses que habitavam a terra, que haviam
contadores de estórias que atualizavam a vida das comunidades com as suas
memórias mais longínquas. O próprio teatro grego em seus primórdios tinha
um forte componente narrativo, que foi ficando à margem à medida que a ação das
personagens em cena tomou cada vez mais a primazia.
Tive a oportunidade de assistir a um reencontro com a contação de
estórias, esta arte tão antiga quanto o teatro tal como o entendemos na
pós-modernidade. A montagem da Companhia
Os Tapetes Contadores de Histórias, que baseados nas narrativas de Marguerite
Youcenar em seu livro Contos Orientais trouxeram para o público o espetáculo 3 Horizontes.
Pude assisti-los no Teatro Lima Penante do Núcleo de Teatro
Universitário da Universidade Federal da
Paraíba, de 14 a 16 de janeiro de 2011, através de uma temporada promovida pelo
Prêmio Myriam Muniz da Funarte.
Para a minha surpresa, numa sexta-feira com intensa programação de
shows gratuitos pela cidade, vi chegarem ao teatro uma platéia ávida de conhecer o trabalho
desta Companhia de Teatro garantindo uma casa quase lotada.
À primeira vista se passou na cabeça de todos que eles fariam uma adaptação teatral dos contos de Marguerite
Youcenar da maneira tradicional, vertendo a estória para diálogos e ação das
personagens com poucas concessões à narrativa.
O espetáculo 3 Horizontes
trabalhou três contos: A viúva Afrodisia, O leite da morte e Como Wang
Fo foi salvo da morte.
Em A Viúva Afrodisia vimos
um palco nu com a presença de uma musicista, Aléa Almeida, que executava o seu
violoncelo como uma testemunha acima do universo da estória. Em cena o ator
Cadu Cinelli e a atriz Helena Contente surpreenderam a platéia com o modo de
contar a desventura de Afrodisia que perde o seu marido. Os atores usaram um grande
pano vermelho que serviu para representar objetos, criar espaços e líquidos. A
cena criou imagens muito bonitas com a ajuda de uma luz muito precisa, mesmo
com todas as deficiências dos equipamentos da casa de espetáculos.
A Transição para a segunda parte
se fez com a entrada de objetos em cena, uma bacia, uma chaleira de alumínio e
panos de gaze branca.
Ficamos imaginando o que poderia acontecer a partir daqueles
elementos. A atriz Rosana Rateágui inicia narrando a estória da construção de certa
torre e que os homens combinaram de emparedar nas fundações da mesma a primeira
mulher que aparecesse no dia seguinte. Eles esperavam que uma de suas esposas, a
mais chata, fosse como era o costume chegar mais cedo que as outras. No entanto, naquele dia, ela pode ouvir o marido que falava enquanto dormia e descobriu
a trama macabra. No dia seguinte ela inventou uma desculpa e quem findou indo
foi a mais jovem, que inclusive tinha um bebe ainda púbere e precisando de seu
leite. Quando o seu esposo a viu se aproximar. Tentou impedi-la, mas os outros
homens o abateram com um golpe. A jovem esposa vendo o marido morrer concorda
em ser emparedada desde que eles deixassem os seus seios acessíveis por uma
abertura ao seu filho que ainda mamava. Assim fizeram os homens. Esta cena foi
resolvida de modo genial. A atriz Helena contente foi sendo coberta pelos panos
que eram molhados e colocados sobre o seu corpo representando as camadas de
pedra. Ficou somente uma abertura, que era descoberta para que a criança fosse
diariamente trazida e se alimentasse do leite de sua mãe. A cena comoveu o
público presente. É interessante como usando deste recurso narrativo os atores
conseguiram transportar a todos para dentro daquele universo.
A terceira cena, contou a estória do pintor Wang Fo. Eles usaram
três teares e alguns rolos de fio que representavam as tintas.
Wang Fo caminhava com o seu ajudante por certo reino quando foram
convidados pelo imperador para pintar algo. O ajudante que se recusou a
obedecer a ordem do imperador e foi decapitado, numa cena linda na qual um
carretel de linha vermelha vai se desenrolando representando o sangue que se
esvaia. Enquanto a cena se desenrola, os
fios foram sendo trançados em torno dos três teares, lembrando os fios do
destino que as moiras teciam com a vida de todos os mortais.
A iluminação teve um papel fundamental, pois a cenografia é toda
construída em cima do palco nu usando adereços e o seu contraste com a luz. Na cena final,
por exemplo, na qual um tênue fio azul se afasta do palco e somente ele é iluminado
como o caminho na qual a personagem fugiu de seu destino trágico escapando da
morte. Faltaram equipamentos adequados para a obtenção de efeitos mais
refinados, mas percebe-se que num teatro com mais recurso a luz teria um papel
preponderante.
O espetáculo 3 horizontes teve a direção, dramaturgia e concepção
de Cadu Cinelli. Co-direção de Tatiana Motta Lima. Atores/narradores: Álea
Almeida, Cadu Cinelli, Helena Contente e Rosana Rateágui. Trilha sonora
original e violoncelista – Álea Almeida. Iluminação Anderson Ratto. Cenários
figurinos e adereços concebidos pelo grupo. Cenotécnico: Marcos Sousa e equipe.
Produção de Kryka Pujol.
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