Monday, February 13, 2012

3 HORIZONTES


O conceito de teatro é algo que está à mercê das muitas experiências criativas deste novo século. Há quem diga que teatro é tudo aquilo que é executado para uma platéia. Outros já haviam definido que teatro era uma  estória necessariamente  contada através da ação de personagens interpretados por atores.  Ortega y Gasset, em seu ensaio a Idéia do Teatro, lembra que este vocábulo tomou direções diferentes ao longo da história. É significativo o fato de haver um grupo de pesquisa  na Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas com o nome de "Territórios e fronteiras".

Neste território difuso onde estão sendo inventadas novas maneiras de lidar com a arte dos atores e o seu público, ocorrem alguns  encontros misteriosos entre a poesia dramática e a  épica.  Desde os tempos antigos, tão distantes de nós como os deuses que habitavam a terra, que haviam contadores de estórias que atualizavam a vida das comunidades com as suas memórias mais longínquas. O próprio teatro grego em seus primórdios tinha um forte componente narrativo, que foi ficando à margem à medida que a ação das personagens em cena tomou cada vez mais a primazia. 

Tive a oportunidade de assistir a um reencontro com a contação de estórias, esta arte tão antiga quanto o teatro tal como o entendemos na pós-modernidade.  A montagem da Companhia Os Tapetes Contadores de Histórias, que baseados nas narrativas de Marguerite Youcenar em seu livro Contos Orientais trouxeram  para o público o espetáculo 3 Horizontes.

Pude assisti-los no Teatro Lima Penante do Núcleo de Teatro Universitário  da Universidade Federal da Paraíba, de 14 a 16 de janeiro de 2011, através de uma temporada promovida pelo Prêmio Myriam Muniz da Funarte.

Para a minha surpresa, numa sexta-feira com intensa programação de shows gratuitos pela cidade, vi chegarem ao teatro  uma platéia ávida de conhecer o trabalho desta Companhia de Teatro garantindo uma casa quase lotada.

À primeira vista se passou na cabeça de todos que eles fariam  uma adaptação teatral dos contos de Marguerite Youcenar da maneira tradicional, vertendo a estória para diálogos e ação das personagens com poucas concessões à narrativa.

O espetáculo 3 Horizontes trabalhou  três contos: A viúva Afrodisia, O leite da morte e Como Wang Fo foi salvo da morte.

Em A Viúva Afrodisia vimos um palco nu com a presença de uma musicista, Aléa Almeida, que executava o seu violoncelo como uma testemunha acima do universo da estória. Em cena o ator Cadu Cinelli e a atriz Helena Contente surpreenderam a platéia com o modo de contar a desventura de Afrodisia que perde o seu marido. Os atores usaram um grande pano vermelho que serviu para representar objetos, criar espaços e líquidos. A cena criou imagens muito bonitas com a ajuda de uma luz muito precisa, mesmo com todas as deficiências dos equipamentos da casa de espetáculos.

 A Transição para a segunda parte se fez com a entrada de objetos em cena, uma bacia, uma chaleira de alumínio e panos de gaze branca.

Ficamos imaginando o que poderia acontecer a partir daqueles elementos. A atriz Rosana Rateágui inicia narrando a estória da construção de certa torre e que os homens combinaram de emparedar nas fundações da mesma a primeira mulher que aparecesse no dia seguinte. Eles esperavam que uma de suas esposas, a mais chata, fosse como era o costume chegar mais cedo que as outras. No entanto, naquele dia, ela pode ouvir o marido que falava enquanto dormia e descobriu a trama macabra. No dia seguinte ela inventou uma desculpa e quem findou indo foi a mais jovem, que inclusive tinha um bebe ainda púbere e precisando de seu leite. Quando o seu esposo a viu se aproximar. Tentou impedi-la, mas os outros homens o abateram com um golpe. A jovem esposa vendo o marido morrer concorda em ser emparedada desde que eles deixassem os seus seios acessíveis por uma abertura ao seu filho que ainda mamava. Assim fizeram os homens. Esta cena foi resolvida de modo genial. A atriz Helena contente foi sendo coberta pelos panos que eram molhados e colocados sobre o seu corpo representando as camadas de pedra. Ficou somente uma abertura, que era descoberta para que a criança fosse diariamente trazida e se alimentasse do leite de sua mãe. A cena comoveu o público presente. É interessante como usando deste recurso narrativo os atores conseguiram transportar a todos para dentro daquele universo.

A terceira cena, contou a estória do pintor Wang Fo. Eles usaram três teares e alguns rolos de fio que representavam as tintas.

Wang Fo caminhava com o seu ajudante por certo reino quando foram convidados pelo imperador para pintar algo. O ajudante que se recusou a obedecer a ordem do imperador e foi decapitado, numa cena linda na qual um carretel de linha vermelha vai se desenrolando representando o sangue que se esvaia.  Enquanto a cena se desenrola, os fios foram sendo trançados em torno dos três teares, lembrando os fios do destino que as moiras teciam com a vida de todos os mortais.

A iluminação teve um papel fundamental, pois a cenografia é toda construída em cima do palco nu usando adereços  e o seu contraste com a luz. Na cena final, por exemplo, na qual um tênue fio azul se afasta do palco e somente ele é iluminado como o caminho na qual a personagem fugiu de seu destino trágico escapando da morte. Faltaram equipamentos adequados para a obtenção de efeitos mais refinados, mas percebe-se que num teatro com mais recurso a luz teria um papel preponderante.

O espetáculo 3 horizontes teve a direção, dramaturgia e concepção de Cadu Cinelli. Co-direção de Tatiana Motta Lima. Atores/narradores: Álea Almeida, Cadu Cinelli, Helena Contente e Rosana Rateágui. Trilha sonora original e violoncelista – Álea Almeida. Iluminação Anderson Ratto. Cenários figurinos e adereços concebidos pelo grupo. Cenotécnico: Marcos Sousa e equipe. Produção de Kryka Pujol.







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