Wednesday, February 08, 2012

QUINCAS


O teatro é uma arte de convenções desde o principio definidor de sua existência que é uma relação de cumplicidade entre atores e espectadores acerca do que irá se passar no espaço cênico. Este lugar de possibilidades imaginativas é uma das marcas da cultura humana em todos os tempos  e tem adquirido formas adequadas a cada momento da história da civilização. 

A arte do espetáculo teatral é, portanto uma arte de encontros de imaginações, através do palco; este espaço sagrado chama a participação dos espectadores que dão sentido ao que ocorre.

 O palco é este lugar de encontro, funcionando como um espelho para o mundo da estória, pois os espectadores são chamados por este reflexo para aquele mundo interior e fabular.  Este é um conceito da gramática transformacional do espetáculo teatral tal como ensinou Jean Alter em sua sóciosemiotica do teatro.

O espetáculo teatral  é repleto de possibilidades que dependem do modo como os elementos transformacionais, tais como se fossem como espelhos,  refletem o mundo da estória de tal modo que os espectadores a reconstruam com as suas imaginações.

O espetáculo Quincas, do grupo de Teatro Os Fodidários é um bom exemplo do uso destes elementos transformacionais, tal como pedaços de um grande espelho que vão refletindo aspectos e compondo um quadro geral da trajetória de vida e morte de Quincas Berro d’água.

Nesta espetáculo o universo do romance de Jorge Amado, não foi somente adaptado no sentido clássico que se dá a este termo.  Ao contrário, o diretor optou por reconhecer a complexidade do mundo original de Quincas Berro d’água.  Jean Alter diz que o mundo da estória existe com certa independência cabendo ao encenador  através dos recursos especulares da gramática transformacional, que são:  a reprodução, a diminuição, o exagero, a distorção, ou reinvenção,  reconstruir para os espectadores aquele universo de modo a provocar a participação da platéia com as suas construções mentais. 

O diretor Daniel Porpino de modo inteligente manipula recursos narrativos do teatro de acordo com a gramática transformacional descrita por Jean Alter,  proporcionando  uma narrativa não linear da estória, mas que é recomposta por todos os espectadores em suas mentes.

Estes recursos narrativos lembram o teatro épico brechtiano, que foram usados no espetáculo, e manipulados com extrema  agilidade, tanto do ponto de vista do arranjo cenográfico, do uso dos elementos de cena e o trabalho dos atores.

 A multiplicidade de significações que cada elemento cênico adquire, inclusive o principal deles que é água, que serve para tudo e tem tamanha carga  semântica que possibilita vários vieses de leitura.  O palco é na verdade um mar de representações, literalmente.

O espetáculo provoca deliberadamente  os sentidos dos espectadores,a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato. O olfato é acendido quando derramam propositalmente aguardente na borda do palco. O paladar é trazido quando se faz cair do teto uma galinha assada que é degustada pelos atores de forma grotesca provocando, ou o asco ou água na boca dos espectadores.

 Esta provocação dos sentidos como um dos elementos especulares para o mundo  da fábula onde vivia o Quincas Berro d’água,  provoca na  platéia um efeito hipnótico  sugando todos para dentro do evento, um bom exemplo desse efeito,  é uma das cenas, na qual  os quatro atores montam um conjunto musical e tocam uma canção usando como instrumentos, um violão sem cordas, um acordeom que não toca nada,  uma flauta que não emite som e um chocalho mudo, e no entanto a platéia se embala com a serenata escutando a música que existe somente no plano invisível do jogo imaginativo.

É um teatro épico carregado de contemporaneidade. O  espetáculo questiona a liberdade, o direito de ser feliz do modo que se é sem concessões a qualquer autoridade. É um espetáculo anarquista pois não reconhece minimamente qualquer poder político  a não ser aquele que pode ser estabelecida pela comunidade de atores. Neste sentido, lembra o conceito de zona autônoma temporária(TAZ), do filósofo  Hakin Bey, que evoca o sentido revolucionário das comunidades e dos indivíduos, que estabelecem as suas próprias leis, como fizeram os Fodidários com este espetáculo que convida os espectadores para compartilharem da vida e morte da personagem Quincas Berro D’água.

O espetáculo tem a participação de atores brilhantes, que atuam em consonância com este jogo  cênico. Eles cantam, dançam e se divertem muito em cena com uma segurança tão plena do que fazem que os espectadores chegam a abstrair que estão diante de uma representação, pois eles conseguem atrair a  todos para o seu jogo para compartilharem de suas energias. São eles:  Thardely Lima, genial, seguro de sua presença em cena; Dudha Moreira, absolutamente cativante cantando e brincando o jogo cênico; Ana marinho, bela e com amplo domínio do palco e Odécio Antonio, brilhante ator que completa este quarteto fantástico. Estes atores fazem todas as personagens necessárias à estória de Quincas Berro água.

A direção musical é maravilhosa. A iluminação de Fabiano Diniz cria os climas necessários. Os figurinos também são impecáveis. A produção do Grupo Os Fodidários mostra um extremo zelo com o público e profissionalismo em todos os aspectos.


4 comments:

Sergio Aires said...

Só digo uma coisa: Thardelly entrando de calcinha.

Unknown said...

A peça realmente é surpreendente!

Unknown said...

Realmente é surpreendente!

Unknown said...
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