Wednesday, May 11, 2011

PRIMEIRAS REGRAS

(diário de montagem de CONFISSÕES)

A grande luta da arte é ter que estabelecer uma forma, um corpo para o seu espírito, mas que não seja uma prisão. Às vezes quando partimos para criar algo e vamos logo em busca deste corpo material terminamos por construir uma muralha que nos protege dos ataques dos vândalos, mas também nos impede de ver mais adiante. Assim é comum  que o medo da crítica e da opinião das pessoas que respeitamos e que são as nossas bases tenha o imenso poder de balizar a nossa criação.

Por outro lado não é nada fácil trabalhar com algo que nunca encontra uma forma material, como naqueles processos de criação em grupo em que despendemos um grande tempo exercitando  as possibilidades, sem chegar a lugar nenhum.

Em suma, não temos como abdicar de encontrar uma forma, às vezes temos uma vaga idéia do que queremos, às vezes temos a receita perfeita herdada de nossas experiências anteriores. O fato é que a forma é o meio do caminho entre o artista e o espectador.  Tudo o que ocorre antes deste encontro é o processo de construir este corpo material da obra, que consiste de sua materialidade significante, um signo possui uma parte material que lhe serve de suporte.

Do outro lado estão todos os que entram em contato com a obra através deste suporte material, a voz dos atores, a luz, a cenografia. 

Em nosso espetáculo começamos com as provocações que o texto fazia aos atores e da necessidade dos mesmos de reagirem às mesmas.  Não era um desejo de somente mostrar algo para uma platéia e obter da mesma um selo de qualidade do tipo, “vocês fizeram o que nós estávamos esperando”.  Não, os atores exigiram estar em cena de outra maneira, de um modo totalmente seu e que não pudesse ser de modo algum adulterado pelas concepções de um diretor. Os atores exigiram estar em cena com poder total.
Em Confissões tivemos como ponto de partida para encontrar a materialidade do espetáculo esta disposição de favorecer o encontro dos atores consigo mesmos, enquanto conscientes de seu estado de representação diante de um público.

Em um primeiro momento, foi difícil lidar com este jogo, que beirava  as fronteiras do psicodrama e necessitava cada vez mais de camadas de significação que se cruzavam, mas que não impediam que cada qual seguisse o seu próprio curso  trazendo os espectadores para construir também o espetáculo.
Nós sabemos como diz Eni Orlandi, que “o discurso é efeito de sentidos entre locutores”, e que este discurso se insere num certo gênero e  numa certa ordem discursiva. Assim o tema de as Confissões iria lidar não com um grupo de espectadores passivos, mas com trinta possibilidades, tendo todos em comum algo que os uniria, mas também especificidades que os tornavam singulares.

Descobrimos que Confissões deveria ter  um conjunto de regras de funcionamento e não marcações tradicionais.  Estas regras seriam  as bordas do que seria permitido dentro do discurso do espetáculo. Um espetáculo é composto de pedaços de tempo que ocorrem num espaço físico determinado, e dentro destes pedaços de espaço-tempo existem tudo o que se espera de um espetáculo de teatro e mais as condições de cada um dos espectadores, da sala  e do entorno do lugar.

A primeira fronteira da forma do espetáculo deveria ser  a quantidade de interferências possíveis através da simples existência de cada espectador na platéia. A simples presença já se configuraria  como uma interferência, uma interação e há muitos níveis de interatividade variando da simples presença até interromper o fluxo do espetáculo dando-lhe novo ritmo. Assim, esta primeira regra seria que o espetáculo deveria ter no máximo trinta espectadores.

Um segundo momento, foi criar um lugar de encontro dos espectadores com os atores para além de seu estado de representação. Isto foi feito colocando-se um painel em branco com canetas para que tanto os atores como os espectadores escrevessem o que estariam sentindo e este escrever não seria parte do texto de Confissões, mas parte do espetáculo. O  espetáculo incorporaria o ato de escrita como uma segunda camada acima da cena, que retornaria ao seu fluxo logo em seguida. Esta idéia foi testada nos ensaios, mas este tipo de coisa é impossível de prever em toda a sua riqueza.

Estas duas primeiras regras fizeram surgir as regras de início do espetáculo, uma de que os atores introduzem os espectadores aos seus assentos e a outra que os atores deveriam explicar o funcionamento do exercício, deixando claro que o espetáculo é um exercício interativo.

No comments: