Sunday, May 15, 2011

9 NOTAS SOBRE ESPAÇO CÊNICO E INTIMIDADE


(Diário de montagem de Confissões)

# 1 Na definição do espaço optamos por ficar em cima do palco do Teatro lima Penante porque nos dava a condição de luz que havíamos pensado. Algumas vezes se questionou se isso já não seria uma maneira de dizer que estávamos falando sobre o teatro;  então a colocação da platéia no palco já serviria para indicar que este era o fulcro da discussão.
De fato, isto era algo possível,  mas não obrigatório, o ideal seria uma sala preta com refletores adequados no teto para que pudéssemos fazer as luzes de pino: um grande foco central de cor branca;  um grande foco azul, de preferência no matiz Congo Blue (E-Colour 181 ou Supergel 382), criando a zona de penumbra como se fosse uma luz negra;  outra luz na cor âmbar( E-Colour deep ambar 104) voltada para o painel ao fundo.  A iluminação é fixa.

# 2 Foi assim que nós escolhemos estar em cima do palco:  uma fila semicircular de cadeiras que estaria muito próximo dos espectadores de tal modo que pudessem escutar a respiração dos atores. Esta era a idéia de uma intimidade que transpusesse as barreiras da visão e desse acesso ao interior, como se os espectadores estivessem  na intimidade, e nós sabemos que todas as pessoas possuem uma linha de segurança ao redor de si. Esta linha que demarca a interioridade da exterioridade,  num grupo é um pouco maior, então o modo de fazer com que as pessoas compartilhem as suas almas é fazer com que elas estejam muito próximas.

# 3 O espaço cênico está dividido em quatro áreas; todas formando o desenho de um grande circulo, no centro do qual  está o ponto de confluência representado por uma mesa com livros antigos e duas cadeiras.  Este circulo central é a primeira camada de  sentidos;  nele acontece o espetáculo completamente preso aos parâmetros dados pelo texto dramatúrgico. A luz branca de pino ilumina fixamente esta área central. 
Depois temos outra faixa circular, que é a região de penumbra,  focalizada com uma luz azul que tanto envolve a linha em semicírculo de espectadores e o painel de fundo onde as pessoas poderão escrever as suas confissões. 
Do lado dos espectadores: há a opção dos atores se sentarem nas cadeiras que não estiverem ocupadas;  também circular entre  elas ou ficar por trás conforme o momento de cada impulso da cena. 
Do lado do painel que está fixado na parede:  fica no escuro somente sendo iluminado quando alguém vai até ele; então a cena se paralisa  e também os atores ficam olhando para a ação dos espectadores. 

# 4 Este conjunto cenográfico, guarda a idéia de um ovo no qual a gema central é o primeiro circulo e a clara é o  circulo seguinte; para o funcionamento correto deste tipo de espaço, se faz necessário que o numero de espectadores seja rigorosamente controlado, pois tudo tem a intenção de desenvolver a intimidade. Coisa que é muito difícil de ocorrer nos espaços à italiana onde os atores estão muito distantes.

# 5 Cada individuo tem uma espécie de fronteira de segurança ao redor de si e esta fronteira determina o quanto ele permite que outra pessoa se aproxime.  As pessoas representam a invasão de sua  privacidade de forma geográfica; ultrapassar estes limites é como começar a compartilhar também da alma do outro.  É por isso que os namorados ficam tão perto um do outro quando estão conversando;  a mãe com o filho e outros exemplos.   Por outro lado,  quando não se tem intimidade representa-se  isso pela distancia entra as pessoas.  Dois  interlocutores,  mesmo num aperto de mão chegam somente ao ponto mais  seguro que se pode chegar de outra pessoa.  Assim também é com a lógica dos espetáculos; quanto mais próximo estamos do ator e compartilhamos de sua respiração de seu suor, mais entramos em um outro nível de comunicação; por isso que não podemos querer que um espetáculo como Confissões funcione  num palco à italiana.

 # 6 Nos ensaios vimos como a intimidade é importante para a construção da segunda camada de significações do espetáculo, aquela que traz também a respiração dos espectadores para compartilhar com a respiração dos  atores;  assim a distancia  entre estes tem que ser pequena para que esta fronteira esteja a favor de uma intimidade necessária.  Ou dizendo como um dos atores  nos ensaios: “é necessário que eu sinta os espectadores em minha pele”.  Assim estaríamos indo experimentar a criação de um espetáculo com contato físico entre atores e espectadores.

# 7 É um espetáculo não para ser visto, como algo numa moldura, mas para ser apreciado de corpo inteiro, quase de forma fisiológica. Quando o ator olhar no fundo dos olhos de alguém eles devem se comunicar através deste olhar e não somente ser um gesto unilateral.  Este tipo de coisa dá ao ator algo bem diferente;  além de somente dizer um texto para que alguém numa platéia.

 # 8 A idéia é  trazer os espectadores para dentro dos movimentos interiores do ator; é claro que cada pessoa irá reagir a isto deforma diferente, mas é possível que se mantendo um controle no numero de interações da através de uma platéia necessariamente pequena, se possa chegar a um resultado muito bom. Uma platéia maior romperia geograficamente com esta necessidade e a lei das fronteiras pessoais passaria a valer afastando as pessoas. 

# 9 Confissões  não é para ser observado;  não é um espetáculo para ser visto e julgado pelo seus efeitos visuais.  É  possível que muitas pessoas sintam a necessidade de explicações, o que é plenamente normal e até uma forma de defesa psíquica contra este tipo de espetáculo que desnuda atores e espectadores um diante dos outros; uma nudez de caráter psicológico.   Sabemos que não haverá tempo para muitas explicações  e que a platéia terá que entrar no jogo com o bonde andando; será quase como uma aprendizagem mútua acerca dos limites de cada um . O espaço cênico tem um caráter psicodramático, lembrando os conceitos clássicos de Moreno acerca do momento e seu  locus, status nascendi e matriz. 

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