(Diário de montagem de Confissões)
# 1 Na definição do espaço optamos por ficar em cima do palco do Teatro lima Penante porque nos dava a condição de luz que havíamos pensado. Algumas vezes se questionou se isso já não seria uma maneira de dizer que estávamos falando sobre o teatro; então a colocação da platéia no palco já serviria para indicar que este era o fulcro da discussão.
De fato, isto era algo possível, mas não obrigatório, o ideal seria uma sala preta com refletores adequados no teto para que pudéssemos fazer as luzes de pino: um grande foco central de cor branca; um grande foco azul, de preferência no matiz Congo Blue (E-Colour 181 ou Supergel 382), criando a zona de penumbra como se fosse uma luz negra; outra luz na cor âmbar( E-Colour deep ambar 104) voltada para o painel ao fundo. A iluminação é fixa.
# 2 Foi assim que nós escolhemos estar em cima do palco: uma fila semicircular de cadeiras que estaria muito próximo dos espectadores de tal modo que pudessem escutar a respiração dos atores. Esta era a idéia de uma intimidade que transpusesse as barreiras da visão e desse acesso ao interior, como se os espectadores estivessem na intimidade, e nós sabemos que todas as pessoas possuem uma linha de segurança ao redor de si. Esta linha que demarca a interioridade da exterioridade, num grupo é um pouco maior, então o modo de fazer com que as pessoas compartilhem as suas almas é fazer com que elas estejam muito próximas.
# 3 O espaço cênico está dividido em quatro áreas; todas formando o desenho de um grande circulo, no centro do qual está o ponto de confluência representado por uma mesa com livros antigos e duas cadeiras. Este circulo central é a primeira camada de sentidos; nele acontece o espetáculo completamente preso aos parâmetros dados pelo texto dramatúrgico. A luz branca de pino ilumina fixamente esta área central.
Depois temos outra faixa circular, que é a região de penumbra, focalizada com uma luz azul que tanto envolve a linha em semicírculo de espectadores e o painel de fundo onde as pessoas poderão escrever as suas confissões.
Do lado dos espectadores: há a opção dos atores se sentarem nas cadeiras que não estiverem ocupadas; também circular entre elas ou ficar por trás conforme o momento de cada impulso da cena.
Do lado do painel que está fixado na parede: fica no escuro somente sendo iluminado quando alguém vai até ele; então a cena se paralisa e também os atores ficam olhando para a ação dos espectadores.
# 4 Este conjunto cenográfico, guarda a idéia de um ovo no qual a gema central é o primeiro circulo e a clara é o circulo seguinte; para o funcionamento correto deste tipo de espaço, se faz necessário que o numero de espectadores seja rigorosamente controlado, pois tudo tem a intenção de desenvolver a intimidade. Coisa que é muito difícil de ocorrer nos espaços à italiana onde os atores estão muito distantes.
# 5 Cada individuo tem uma espécie de fronteira de segurança ao redor de si e esta fronteira determina o quanto ele permite que outra pessoa se aproxime. As pessoas representam a invasão de sua privacidade de forma geográfica; ultrapassar estes limites é como começar a compartilhar também da alma do outro. É por isso que os namorados ficam tão perto um do outro quando estão conversando; a mãe com o filho e outros exemplos. Por outro lado, quando não se tem intimidade representa-se isso pela distancia entra as pessoas. Dois interlocutores, mesmo num aperto de mão chegam somente ao ponto mais seguro que se pode chegar de outra pessoa. Assim também é com a lógica dos espetáculos; quanto mais próximo estamos do ator e compartilhamos de sua respiração de seu suor, mais entramos em um outro nível de comunicação; por isso que não podemos querer que um espetáculo como Confissões funcione num palco à italiana.
# 6 Nos ensaios vimos como a intimidade é importante para a construção da segunda camada de significações do espetáculo, aquela que traz também a respiração dos espectadores para compartilhar com a respiração dos atores; assim a distancia entre estes tem que ser pequena para que esta fronteira esteja a favor de uma intimidade necessária. Ou dizendo como um dos atores nos ensaios: “é necessário que eu sinta os espectadores em minha pele”. Assim estaríamos indo experimentar a criação de um espetáculo com contato físico entre atores e espectadores.
# 7 É um espetáculo não para ser visto, como algo numa moldura, mas para ser apreciado de corpo inteiro, quase de forma fisiológica. Quando o ator olhar no fundo dos olhos de alguém eles devem se comunicar através deste olhar e não somente ser um gesto unilateral. Este tipo de coisa dá ao ator algo bem diferente; além de somente dizer um texto para que alguém numa platéia.
# 8 A idéia é trazer os espectadores para dentro dos movimentos interiores do ator; é claro que cada pessoa irá reagir a isto deforma diferente, mas é possível que se mantendo um controle no numero de interações da através de uma platéia necessariamente pequena, se possa chegar a um resultado muito bom. Uma platéia maior romperia geograficamente com esta necessidade e a lei das fronteiras pessoais passaria a valer afastando as pessoas.
# 9 Confissões não é para ser observado; não é um espetáculo para ser visto e julgado pelo seus efeitos visuais. É possível que muitas pessoas sintam a necessidade de explicações, o que é plenamente normal e até uma forma de defesa psíquica contra este tipo de espetáculo que desnuda atores e espectadores um diante dos outros; uma nudez de caráter psicológico. Sabemos que não haverá tempo para muitas explicações e que a platéia terá que entrar no jogo com o bonde andando; será quase como uma aprendizagem mútua acerca dos limites de cada um . O espaço cênico tem um caráter psicodramático, lembrando os conceitos clássicos de Moreno acerca do momento e seu locus, status nascendi e matriz.
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