Tuesday, May 17, 2011

A MÚSICA E O ACASO

O mantra indu OM faz alusão a um som primordial que gerou o universo. Tudo o que existe é como o eco deste som seminal. Um espetáculo também possui um espécie de DNA sonoro, algo que vai além de uma sonoplastia para enfeitar as cenas. Conheci um rabino cabalista que me afirmava que tivesse cuidado com a pronúncia de certas palavras, pois raios poderiam vir inesperadamente do céu sobra a minha cabeça.
 

Quando o espetáculo Confissões começou a tomar corpo o ator Edilson Alves disse-me que estava escutando uma melodia parecida com um cântico gregoriano; concordamos em colocar num recanto da sala um CD Player com uma música de fundo quase imperceptível. O ator Everaldo Pontes, no entanto achava que haviam outras sonoridades que iam sendo desenhadas no espaço. Num primeiro momento ficamos somente com o CD de cantos gregorianos, mas abertos a descobrir as outras possibilidades.

Ao final de um dos ensaios, no debate sobre as nossas descobertas, chegamos à conclusão de que haviam vozes e um clima musical distorcido; pensamos em gravarmos estas vozes e produzirmos uma edição no programa Audacity; então, Everaldo Pontes dias depois chegou com os CDs “Eskimo” de The Residents e “That Which passes” de Robert Gripp.

Everaldo Pontes foi o responsável por um dos programas mais instigantes da saudosa Rádio Universitária da UFPB, 107.7 MHZ ( Uma Rádio cujo desaparecimento é um dos maiores crimes culturais da Paraíba). O programa Jardim Elétrico era único em sua visão do fenômeno musical. E agora, este tesouro de conhecimento musical tinha vindo aportar no espetáculo Confissões. Fizemos alguns ensaios com os The Resisdents e Robert Gripp e fomos descobrindo que precisaríamos promover um encontro destes com os cantos gregorianos. Eu fiquei encarregado de promover este encontro no Audacity. Depois de várias tentativas obtivemos um material sonoro que serviu de base para a finalização do espetáculo.

O conceito de poesia visual do grupo The Residents casou com a busca dos atores de encontrar algo que pudesse ser construído no momento da interação com a plateia. A colagem musical que construímos entrava como uma terceira camada de sentidos durante o acontecimento do espetáculo. Esta colagem tinha a mesma natureza das obras em colagem ( Assemblage) tais como definidas por Jean Dubuffet nos anos 50 do século passado. Já na entrada o áudio era acionado em um volume quase inaudível, para que não fosse percebido de imediato, mas fosse se incorporando ao entorno sonoro dos espectadores, como se fosse uma música ao longe que estivesse sendo trazida pelo vento. Confissões baseia-se neste princípio de composição, tanto na interpretação dos atores,como na música e nas interferências feitas ao painel de escrita.

A nossa esperança era que este áudio fosse como o éter que preenche todos os espaços vazios do universo.
Alguém encontraria algo que pareceria estranho, mas que iria se revelando uma constante. Calculamos o tempo da música para que fosse possível a ocorrência de algumas coincidências; não haveria a obrigatoriedade de tal trecho de som ter que acontecer numa determinada cena; a ideia era trabalhar com o acaso, mesmo que o estivéssemos desafiando perigosamente.

Num primeiro momento, o debate com os atores foi intenso; Edilson Alves dizia que sentia a necessidade de uma música em uma cena específica; Everaldo Pontes argumentava que era necessário dialogar com a música; destas conversas chegou-se à ideia das sonoridades ao acaso, que sofreriam a ação de atração ou repulsão dos atores; assim o espetáculo teria uma outra camada de sentidos construída pelo confronto com o som, que por ser quase inaudível não seria usado como um filtro para a cena. Na maioria das vezes a música modifica a cena servindo como uma roupagem semiótica.

O ajuste preciso da altura do som foi um problema, pois o que era quase inaudível nos ensaios com os dois atores, se tornava quase zero com a presença dos espectadores; fato que constamos nos primeiros ensaios com a plateia. A presença das pessoas alterava as condições de acústica. Queríamos uma sonoridade de altura muito baixa, mas de modo algum zero.

O pitoresco é que algumas cenas pareciam acontecer sempre em um momento da música, mesmo que com tempos diferentes em ensaios diferentes, era como se os atores inconscientemente se ajustassem para encontrarem aquele trecho específico. Na situação de ensaios com a plateia isto se revelou impossível, pois as interferências no painel de escrita alteravam muito a posição relativa da cena com a a linha de som, que continuava sem interrupções. Fizemos uma música do espetáculo com 48 minutos já prevendo as participações do público.

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