Tuesday, May 12, 2009

CANÇÃO DE BAAL

João Pessoa foi mais uma vez a sede do Festival de Cinema de Países da lingua Portuguesa; encerrando a programação da noite de abertura, no dia primeiro de maio, fomos agraciados com o filme de Helena Ignez, Canção de Baal, livremente inspirado na peça homônima de Bertold Brecht. Assisti ao filme ao lado da diretora e de sua filha Djin Sganzerla. Estava acompanhado do escritor e homem de teatro Paulo Vieira; tínhamos entrado para ver o filme de Manfredo Caldas sobre Linduarte Noronha, e nos sentamos casualmente em dois lugares vagos ao lado delas. Estar ao lado de Helena Ignez já foi por sí mesmo uma grande emoção, ela que ainda é a musa do cinema marginal, diz-se marginal no sentido de que é um cinema avesso às obediências canônicas da cinematografia, é um cinema eternamente na vanguarda da experimentação, sem pudores nem culpas.

O Baal de Brecht, foi escrito em 1918, como resultado de uma aposta com o seu amigo George Pfantzelt; teve quatro versões. A peça consiste de um conjunto de cenas aparentemente desconectadas sobre a trajetória suicida de Baal, que não aspira nada da sociedade, que decide viver conforme as suas próprias regras, que é destruído por não se enquadrar ao sistema. Baal celebra com vigor o nihilismo, entrega-se aos excessos do alcool, a orgias, ao homosexualismo, a mulheres, enquanto compôe canções e poemas. Funda ao redor de si o que hoje se chama de TAZ(temporary autonome zone), uma zona autônoma temporária, que é descrito no livro anarquista TAZ, de Hakin Bey.

É claro que não foi intenção de Brecht escrever uma peça anarquista, até mesmo porque a personagem Baal não é a favor de nada; ele é autodestrutivo. Fiz esta ligação com a peça em virtude da livre adaptação de Helena Ignez; ela mantém diálogos e situações, mas recria um Baal que não morre e paira sobre a bárbarie da civilização contemporânea, ao fim do filme ele caminha por uma estrada indo talvez para um outro pouso, como se fôsse uma encarnação do dionisíaco indo para próxima colheita da uva. Na peça teatral Baal morre miseravelmente. O recado de Helena Ignez é visível: vale a pena continuar lutando, sem aceitar qualquer acordo para ser incluido entre os normais. Isto é o lema do cinema marginal, não se entregar.

Na sala de exibição, Baal incomodou alguns espectadores, que considerei um sinal de que estava mesmo, diante de um filme do cinema marginal; muitos jamais viram algo sequer parecido; é mal comportado demais, é ousado, agressivo e terrível. Ao colocar a Canção de Baal na primeira noite, o Cineport, simbólicamente, apontou que estávamos nos reunindo, os países de lingua portuguesa, para celebrar as nossas cinematografias, apesar da pressão hegemônica da indústria audiovisual norte-americana; nada contra o bom cinema de Hollywood, que todos amamos, mas isto não é suficiente para nós.

Ao terminar o filme, perguntei para Helena, se havia uma previsão para o lançamento do DVD; ela me disse que o filme tinha uma séries de festivais para participar e que ainda não tinha pensado nisto, mas que talvez no próximo ano, ele já estivesse disponível.

Ainda na programação do Cineport foi lançado o DVD do filme O Bandido da Luz Vermelha e o livro Tudo é Brasil, fragmentos da obra literária de Rogério Sganzerla, organizado por Helena Ignez e Mario Drumond.

No comments: