Wednesday, May 06, 2009

BOAL

Faleceu no último dia 2 de maio o homem de teatro Augusto Boal. O tempo cumpriu o seu curso trazendo e levando as inteligências que vão construindo a cada rodada o espírito humano. Hoje, é dificil imaginar a teoria teatral sem os conceitos do teatro do oprimido tal como foram enunciados por Boal; a idéia de que o teatro é um ensaio para o processo de mudança social e que podemos fazer um mundo melhor através de nossas ações. 

Tomei contato com Boal, pela primeira vez através de apostilas que circulavam no meio do movimento estudantil em fins da década de 70, ainda sob o peso opressor da ditadura militar; aplicávamos as sua técnicas nas nossas ações de agitação e propaganda dentro do que chamávamos de guerrilha cultural contra a ditadura, éramos guerreiros que empunhávamos as armas que sabíamos usar: a arte e a cultura. Agíamos de forma quase subliminar dentro de ônibus, restaurantes, salas de aulas, usando uma forma de teatro chamada “teatro invisivel”. Também fizemos muitas experimentações espetaculares, que sempre resultavam em grande comoção. Numa destas, da qual fui apenas espectador e pude estudar a sistemática das relações atores e público, o grupo resolveu fazer a simulação de um acidente de trânsito, na frente do Liceu Paraibano, causando a paralização das aulas do educandario. Era uma forma extremamente poderosa de mobilização. 

O livro 200 Jogos para atores e não-atores que querem dizer algo através do teatro, tornou-se o manual básico de funcionamento dos grupos, a sequência de jogos era cumprida religiosamente, quase como um procedimento ritualístico. Talvez os pesquisadores da história do teatro venham a confirmar que, naquele momento no Brasil, houve uma espécie de escola de formação de atores, que funcionava de modo anárquico e simultâneo, garantindo uma unidade de pensamento. A aplicação da dialética aos ensinamentos de Stanislavski, com os conceitos de vontade, contra-vontade e sintese usados para construir as personagens e as cenas, permitiram aos grupos a invenção de um teatro que refletia e buscava interferir na realidade brasileira. 

Os livros Teatro do Oprimido e Técnicas latino americanas de teatro popular também se tornaram textos sagrados naqueles momentos dificeis. O nome de Boal sempre evocava em nós todos uma grande esperança de que era possível fazer algo, mesmo que fosse apenas com o nosso ofício de atores, ou qualquer um que se dispusesse a mostrar a cara e doar-se integralmente para dizer sim à liberdade e à democracia. 

Quando Boal veio do exílio e deu uma palestra em Recife, no início da década de 80, acompanhado de seu grupo francês e com o qual deu uma demonstração da técnica de teatro-foro, nós estávamos lá, para aprender mais e ver de perto aquele homem amante do teatro, cheio de esperança e crente na capacidade humana de realizar o melhor. Aquela técnica se incorporou rapidamente às nossas ações.

O livro Stop c'est magique veio instrumentalizar ainda mais todos os que naquela ocasião já começavam a se assumir como praticantes do teatro do oprimido; virou um gênero da atividade teatral. 

Boal encerrou a sua trajetória física, mas permanece entre nós, com as suas idéias espalhadas pelo mundo, para o orgulho dos teatristas brasileiros, que veem o seu nome citado entre os grandes do teatro universal.

No comments: