A montagem regular de óperas na Paraíba é um sonho antigo do público, que apenas podia sonhar com as temporadas do teatro Municipal do Rio de Janeiro. Lembro que no início dos anos 80 assisti a uma opereta “A Criada quer ser patroa” com cantores de fora e a presença do ator Fernando Teixeira e que, naquela ocasião, se falava da intenção de haverem montagens regulares no estado. Quando o Teatro Paulo Pontes inaugurou , ele tinha um imenso elevador de proscênio, que baixava esta região do palco, deixando a orquestra abaixo da linha da boca de cena; sonhávamos com a montagem de grandes óperas. O fato é que uma ópera é um espetáculo caro e complexo. E ficamos vendo as tentativas morrerem antes de sequer terem surgido.
É motivo de muita alegria vermos o surgimento de uma companhia de òpera formada por estudantes do Departamento de Música da UFPB. Uma tarefa que julgava difícil de ser realizada até mesmo por nossos mais experientes professores, pois as dificuldades são imensas. A Cia Operação desconhecendo todas as dificuldades rompeu os preconceitos negativistas e montou a ópera de Gluck, Orfeu e Eurídice. E surgiu trazendo consigo uma nova geração de cantores, um côro lírico e a Orquestra de Câmara Abdon Milanes.
A ópera de Gluck retoma o mito grego do semideus Orfeu, que desce até o hades para buscar a sua amada Eurídice do mundo dos mortos, mas tem como única condição nunca olhá-la até que tenha saído completamente. No entanto, Eurídice sem compreender o motivo exige que o mesmo a olhe frontalmente, o que a devolve ao mundo das sombras. Na ópera de Gluck, o grande amor de Orfeu, na ária “Que farei sem minha Eurídice?” comove a deusa do amor que traz a morta de volta a vida.
A montagem da Cia Operação teve ares de superprodução e fez um excelente uso do Theatro Santa Roza, aproveitando o fosso da orquestra que tinha sido utilizado pouquíssima vezes e que servia atualmente como depósito de equipamentos e cenários. Teve também um serviço de legendas com a tradução da ópera para o português, uma excelente idéia para atrair um público pouco acostumado com a dicção própria do canto operístico.
A direção cênica de Jerônimo Vieira deu ritmo aos cantores nas marcações de cena, mas concepção cenográfica do espetáculo merece alguns reparos, logo mais todos esperávamos que a ópera mantivesse a sua majestade. Todos os solistas estão de parabéns: Kleiton D’Araujo (Orfeu), Izadora França (Eurídice), Bárbara Carneiro (Amore), Mérlia Faustino (Amore). Há que corrigir apenas o excesso de afetação de Kleiton d’Araujo que em alguns momentos compromete a beleza do espetáculo. A regência da orquestra feita por Daniel Seixas dos Santos comove os espectadores. Muito boa também a regência coral a cargo de Onivaldo Junior.
O público com certeza já aguarda a montagem da temporada de 2010. Acredito que deveria haver uma linha especial de financiamento, dentro do Fundo de Incentivo a Cultura do Governo Estadual e do Fundo Municipal de Cultura da Prefeitura de João Pessoa com a finalidade de promover o surgimento destes espetáculos. Tenho certeza de que a ousadia dos alunos do Departamento de Música da UFPB será abençoada pelo semideus grego da música, Orfeu.
NOITE BÊBADA
6 months ago
1 comment:
Muito valoroso é quando formadores de opinião (como é seu caso) emitem ótimas críticas ao espetáculo. E isso nos dar força para superar todos os desafios!
É notória todas as dificuldades existentes para a realização de um obra como essa. Isso mesmo, "obra", no maior sentido da tradução da palavra "ópera". Mas a grande dificuldade de realizar esta obra no Estado não se encontra tanto nos recursos, mas sim na mão de obra. Produzir uma ópera é algo complicado, por envolver muitos artistas, quase sempre inexperientes, já que este tipo de produção é realizado esporadicamente no Brasil, sendo quase inexistente no Nordeste. Mas sabendo disso, temos como arma é a conscientização profissional, e a preparação artística destes, numa valorosa tentativa de (quase sempre conseguida) de profissionalizar estes artistas. E a grande prova é que temos sim, público e mão de obra para apresentarmos óperas, musicais e os maiores espetáculos seculares deste mundo de repleto de artes.
Kleiton D'Araújo
Coordenador Geral da Cia Operação e Cantor Lírico.
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