Wednesday, November 30, 2011

APONTAMENTOS SOBRE A SALA PRETA


Havia escrito no texto anterior; "Adeus à Sala Grotowski", que não voltaria mais a este tema. Mas motivado pelas perguntas feitas pela repórter Letícia Passos e também pelo presente que recebi da atriz Rosa Carlos, que esteve faz 15 dias no Instytut Im. Grotowkiego ( Instituto Grotowski) em Wroclaw, Polônia e trouxe-me de lá um amuleto grotowskiano, a edição bilíngüe polonês e espanhol, de O Príncipe Constante, texto de Calderon de La Barca, montado pelo Teatr Laboratorium( Teatro Laboratório) sob a direção de Grotowski. Resolvi atender à demanda da imprensa livre.


A Sala Preta como era conhecida tem uma longa história, que começou com a primeira turma do curso de Licenciatura Plena em Educação Artística nos de 1977. Era Reitor o brilhante humanista, professor Linaldo Cavalcante. Havia naquela época uma demanda por um espaço específico para as atividades teatrais, diante da lentidão da administração universitária, os alunos do Centro Acadêmico de Educação Artística compraram dois galões de tinta preta pintaram as paredes de uma sala grande que havia no primeiro galpão. Aquele galpão de salas é o que hoje conhecemos por “Microondas”, ele havia sido utilizado pelas construtoras do campus universitário. Os dois alunos que dirigiam o Centro acadêmico naquele momento eram Samuel e Gilvandro.

Naquela primeira Sala Preta o Professor e diretor teatral Antônio Cadengue, hoje professor aposentado da UFPE, dirigiu espetáculos memoráveis, entre eles CARTAZ DE CINEMA, THE CLOWN IS DEAD, texto de Paulo Vieira em 1979 e SOY LOCO POR TE LATRINA, com textos de Paulo Vieira, Glauco Mattoso, Jomard Muniz de Brito, Marquês de Sade e Manuel Puig em 1980. Também foram encenados naquele primeiro momento A EXCEÇÃO E A REGRA de  Berthold Brecht, sob a direção de Alarico Correia Neto, dando origem a um importante grupo de ação política através do teatro chamado Grupo Ideodrama, que agia nas manifestações populares, apresentações em escolas e sindicatos contra a ditadura militar e pela constituinte. Nestes três espetáculos eu trabalhei como ator.

A Sala preta tornou-se a sala específica para as aulas de teatro. “Os conflitos com os outros professores eram constantes, pois as aulas de teatro eram barulhentas”. Durante a década de 80 começamos a luta pela construção de um lugar específico que fosse um pouco afastado do restante das salas e que tivesse paredes duplas para melhor isolamento acústico.

Assim durante o Reitorado do Professor Antônio de Sousa Sobrinho houve uma montagem de um espetáculo chamado SEIS VEZES BECKET dirigido pelo Professor Paulo Micheloto, hoje professor aposentado da UFPE. Daquele espetáculo participou o aluno Macários Maia, hoje professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN. O espetáculo SEIS VEZES BECKET precisava de um espaço experimental de teatro, que foi improvisado no galpão grande que existia na reitoria. O Reitor Antônio Sobrinho, sempre se fazia presente às apresentações teatrais promovidas pelo curso de Educação Artística. Começava ali as discussões em torno de um projeto para a construção de um Laboratório de Artes Cênicas da UFPB.

O professor Paulo Micheloto apresentou ao antigo Departamento de Artes o projeto de criação do Laboratório de Artes Cênicas da UFPB, que foi aprovado e incorporado à lista de Laboratórios da universidade.

Assim, durante o reitorado do Professor Neroaldo Pontes, concluiu-se o projeto, que ficou a cargo do arquiteto da Prefeitura Universitária, Armando. Este arquiteto seguiu as demandas apresentadas pelo projeto de criação do LAC, de que queríamos uma sala que estivesse antenada com o século XX, com o Teatro Laboratório de Grotowski. Armando então concebeu um cubo de aresta de 10 metros, com um urdimento capaz de manipular a cenografia em todas as direções, um palco suspenso que permitisse diversas manipulações, sendo possível até construir uma grande piscina caso algum encenador concebesse tal coisa. Este nova sala teria paredes duplas, um fornecimento de energia elétrica de alta tensão separado do conjunto arquitetônico, uma platéia fixa de 80 lugares, podendo ser mais dependendo da arrumação.

O Laboratório de Artes Cênicas foi inagurado em 1998 na administração do Reitor professor Jader Nunes.

Num primeiro momento O Laboratório de Artes Cênicas era apenas uma grande sala toda preta de 10 metros de largura, 10 metros comprimento e 10 metros de altura. Algumas pessoas diziam que havia grandes problemas de acústica e nós explicávamos que ainda faltava terminar a sala.

A professora Yara Matos foi uma das grandes baluartes da construção do Laboratório de Artes Cênicas, pois quando era diretora do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da UFPB destinou recursos para a construção primeiramente da arquibancada com 80 lugares e depois do palco suspenso. Infelizmente, ficamos sem a construção do urdimento e do tratamento acústico das paredes. A professora Yara Matos sempre esteve presente nos  nossos espetáculos. A inauguração da arquibancada foi feita com a montagem do clássico do teatro grego AS BACANTES de Eurípedes sob a minha direção com os alunos da disciplina da Oficina básica de Teatro do Curso de Comunicação Social da UFPB.

Urdimento é uma grade de metal que fica acima de toda a extensão do palco, e no qual se fixam roldanas nas quais se prendem as varas de luz, cenários e aparelhos de números circenses como trapézio e corda indiana, por exemplo.

O Laboratório de Artes Cênicas tornou-se vital para ao avanço da atividade teatral na UFPB, fazendo  parte do projeto de criação do atual Departamento de Artes Cênicas, que foi outra conquista difícil no contexto universitário. A primeira chefe do Departamento de Artes Cênicas foi a professora Elvira D’Amorim, pessoa de grande visão que coordenou a implantação do atual  curso de Teatro da UFPB e também plantou as sementes da pós-graduação em Artes, tanto de teatro como de Artes Visuais, quando criou com a sua luta as Especializações em Artes e depois em Representação Teatral. O Laboratório de Artes Cênicas sempre esteve presente em todos aqueles momentos como uma estrutura necessária. Depois de Elvira D’Amorim, foram chefes os professores: Elias de Lima, Everaldo Vasconcelos e atualmente o professor Paulo Vieira.

O laboratório de Artes Cênicas foi o responsável pelo surgimento do Grupo Ser Tão Teatro com a montagem de VEREDA DA SALVAÇÃO, texto de Jorge Andrade, sob a direção da Professora Christina Streva, hoje professora da Unirio, num projeto de extensão aprovado pelo Ministério da Educação do Governo Federal. A primeira temporada do espetáculo foi no Laboratório de Artes Cênicas da UFPB com filas imensas de espectadores para ver o espetáculo que até hoje continua sendo um dos marcos da história curso de teatro.


De forma inédita na história da UFPB, ela primeira vez vimos uma construtora começar uma construção em pleno semestre letivo derrubando salas de aula que estavam sendo utilizadas.  É preciso descobrir o nome desta construtora e de seus proprietários para citá-los neste capítulo da história da cultura brasileira. Começou-se a derrubada sem que sequer fosse colocada uma placa dizendo o valor da obra, qual a licitação, de que projeto. A demolição começou no dia 24 de outubro de 2011 sob a Lei do Silêncio.

No dia 25 de outubro,cheguei para dar aula da disciplina Interpretação I e encontro com a minha turma de alunos parada em frente ao prédio da Sala Preta, embalados pelo barulho da serra elétrica derrubando o palco e as arquibancadas que passamos anos batalhando para construir. Vivemos estas últimas semanas como nômades de sala em sala ou  sob uma barraca de pano.

Seria de bom alvitre e da transparência administrativa que ao menos a planta arquitetônica da nova construção fosse apresentada indicando inclusive a licitação e os recursos. Que houvesse transparência com os recursos públicos e mais respeito com os alunos.

O reitorado do professor Rômulo Polari, ao contrário dos outros reitores anteriormente citados,  hoje já se inscreve na história da cultura brasileira como algo muito difícil. Caberá aos profissionais da história colocar isto em textos científicos. O atual reitor acha que está “reformando” uma sala de aula, ele está derrubando um símbolo.

Como tudo foi feito sob a Lei do Silêncio, é provável que à medida que passem os meses comecem os questionamentos, pois será inevitável o aparecimento dos problemas de espaço físico exclusivos para atividades do curso de teatro. E agora neste vestibular receberemos mais uma turma de alunos de teatro.

Como diz o dramaturgo Marcio Marciano em seu texto DEUS DA FORTUNA, “a maioria ainda está dormindo, mas vai acordar”. Quando acordar, como será?


No comments: