No dia 30 de
novembro de 2017 o VI Festival Nacional de Teatro do Piauí , que
realizou-se na cidade de Floriano, apresentou um espetáculo
deliciosamente “terrível”. Vou começar pela descrição dos
fatos: fomos orientados que o espetáculo iria começar uma hora
antes no Teatro Maria Bonita. Após o almoço no Restaurante Velho
Monge, ficamos vagando pela calçadão do Rio Parnaíba, curtindo o
sorvete e o calor intenso esperando o momento de ir conhecer Ivan , o
defeituoso.
Próximo às 14
horas fomos para o hall do teatro, onde nos encaminharam para a
platéia; imaginávamos o que poderia acontecer, pois as atrizes
estavam deitadas no palco e a vara de luz interna das contra-luzes
estava baixada quase rente ao palco. Ficamos nas cadeiras curtindo o
ar condicionado.
Pensávamos será
que o espetáculo já começou? Imaginávamos que fosse algo parecido
com um Live Action do Role Play Game, ou coisa assemelhada. Lá pelas
tantas, subiram ao palco dois atores trajando um figurino base de cor
preta; começaram avisando que eles não eram atores do espetáculo,
que estavam ali para nos dar algumas regras. A primeira era o
preenchimento de um questionário com perguntas sobre a saúde, em
quantas pessoas confiávamos naquela plateia, quantas pessoas
conhecíamos, e até o tipo sanguíneo.
Depois nos pediram
para voltar para o hall do teatro e fizéssemos duas filas, e que
fossemos colocando todos os objetos, bolsas, celulares e garrafinhas
de água em saquinhos personalizados; cada espectador recebeu uma
numeração .
Em seguida todos
os espectadores foram vendados e conduzidos pela rua até um ônibus
que estava estacionado próximo; isto por si, já representou um
happening muito interessante para a população da cidade que
assistia ao acontecimento. O trajeto foi uma experiência sensorial
fantástica. Quando o ônibus parou, as pessoas tentavam advinhar
onde estávamos, uns diziam que perto de uma rodovia federal, outros
diziam que havíamos voltado para o mesmo lugar.
Fomos todos
conduzidos até o Teatro da Cidade Cenográfica de Floriano, levados
para dentro do teatro e colocados sobre o palco. A música criava um
ambiente associado a um clima de fantasia. Neste momento, as irmãs
Amanda e Letícia começaram a falar de Ivan, o defeituoso, dando
informações de que o seu irmão havia matado os seus pais.
Os espectadores
ainda vendados foram submetidos a algumas experiencias sensoriais de
pequenos toques no corpo e empurrões, primeiramente pelas irmãs e
depois pelo próprio Ivan, que soltou-se e circulava entre nós.
Depois As irmãs
pediram que retirássemos as vendas. Todos estávamos livres para
irmos para a plateia, somente uma espectadora, Tércia Maria, da
cidade Teresina, do Grupo Tear de Teatro, ficou presa em correntes
dentro da jaula onde estava acorrentado Ivan, o defeituoso.
Do ponto de vista
habitual todos achávamos que o espetáculo estava começando o seu
ciclo normal , e as irmãs Amanda e Letícia, deixaram claro que
apresentavam o irmão como atração de um circo de horrores.
Através da pessoa que havia ficado presa colocaram a discussão da
solidariedade, já que ninguém na plateia teve qualquer iniciativa
de ir soltá-la; colocaram a discussão da confiança de um no
outro, perguntando aos espectadores se confiavam e conheciam a pessoa
que estava sentada ao lado na plateia.
Em um momento de
clímax elas soltam Ivan para que o mesmo venha comer numa mesa
próxima ao publico. Servem-lhe linguiças cruas, que são trinchadas
com violência. Depois os pedaços são atirados no público. Em
outro momento colocam nesta mesa um pedaço de carne crua com osso,
que é comido pelas atrizes, por Ivan, e oferecido também aos
espectadores. Alguns aceitaram comer da carne crua.
As irmãs vendem
sempre a violência de Ivan associando a sua deformidade a uma coisa
ruim. Vamos percebendo que Ivan é uma criatura dócil apesar da sua
aparência terrível, enquanto a maldade mesma é promovida pelas
irmãs. Ao final as Amanda e Letícia saem conduzindo a espectadora
para fora provavelmente para matá-la, enquanto Ivan coloca um vaso
de flores sobre a mesa revelando a sua natureza pacífica.
Aprendemos que
muitas vezes quem vende e pratica o mal é exatamente a carinha
bonitinha que apregoa aos quatro ventos as suas bandeiras pelo bem,
mas que na surdina são promotoras do mal em si.
Fomos vendo a cada
cena caírem as máscaras daquelas irmãs que falavam da luta contra
o mal somente da boca para fora. Depois os espectadores foram
conduzidos para a porta do ônibus onde por sorteio foram sendo
devolvidas os seus pertences pessoais. Ficamos diante de uma metáfora
poderosa da condição brasileira e do mundo. Na volta para o hotel
Ivan continuou povoando as nossas conversas . Não pudemos de deixar
de fazer um paralelo com esta onda conservadora fascista que invade o
Brasil capitaneado pelas caras bonitinhas por fora mas carregadas de
ódio por dentro.
O espetáculo foi
escrito e dirigido por Thiago Barba. No elenco: As competentes
atrizes Suzi Daiane, como Amanda, irmã mais velha de Ivan e Maria
Falda, como Natasha, irmã mais nova; Thiago Barba excelente como
Ivan. Trilha sonora Jefferson Bitencourt. A produção foi da Cia Avenida Artística
Lamparina de Jaraguá do Sul, estado de Santa Catarina.
O diretor disse que
gostava de cinema de horror e inspirou-se na trilogia Lugosi, um
espetáculo dirigido por Jefferson Bitencourt. Também fez
referencias ao filme Freaks(Monstros) de 1932. O diretor é um músico
que cursou Artes visuais na universidade e depois dedicou-se ao
teatro, segundo ele as vicissitudes da vida foram conduzindo-o ao
mundo do espetáculo teatral.
No VI Festival
Nacional de Teatro do Piauí foram indicados para os prêmios de
melhor maquiagem com Lucas Davi, e melhor atriz com Suzi Daiane e
ganharam o prêmio de melhor figurino, com Lucas Davi. Foi um
espetáculo que encantou o público.
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